Amnistia Internacional

O Afeganistão está a fervilhar de esperança nas eleições presidenciais

O Afeganistão fervilha com as eleições presidenciais de sábado, 5 de abril. Candidatos, media e população estão envolvidos no processo eleitoral a níveis inauditos desde 2001. A investigadora da Amnistia Internacional Horia Mosadiq, que passou as últimas semanas no Afeganistão, narra nunca ter visto algo assim e lembra os grandes desafios que estão pela frente

Horia Mosadiq, investigadora da Amnistia Internacional sobre Afeganistão

Voltei do Afeganistão na terça-feira, 2 de abril, depois de uma missão de investigação de três semanas que me mostrou tanto o melhor como o pior no país. Chegara a Jalalabad na madrugada de 20 março, a ouvir logo o som de explosões de um ataque dos talibã a uma esquadra de polícia. Na noite seguinte segui para Cabul onde fui acolhida por um ataque dos talibã ao Hotel Serena, no qual morreram várias pessoas, incluindo o jornalista da agência noticiosa AFP Sardar Ahmad e a maior parte da sua família.

Mas nestas três semanas vi também uma esperança e entusiasmo sem precedentes em vésperas de eleições - já amanhã, 5 de abril, em que milhões de afegãos irão às urnas de voto para escolherem um novo presidente.

Na província de Herat, na região oeste do Afeganistão, estive com milhares de pessoas num comício de um dos favoritos às eleições, Ashraf Ghani. Os oito candidatos que ainda estão na corrida palmearam todo o país nas últimas semanas e foram entusiasticamente recebidos onde quer que foram. Curiosamente foi nas províncias onde os conflitos persistem mais duramente que foram recebidos pelas maiores multidões, às vezes de centenas de milhares de pessoas: foi assim em Paktia, em Khost, em Helmand e em Kunduz.

A campanha eleitoral para o escrutínio deste ano tem sido a mais séria a que assisti nos últimos quatro ciclos eleitorais no Afeganistão, desde 2001. Apesar de se poder apontar que pouco é avançado em termos de políticas específicas, os candidatos tiveram de se tornar mais acessíveis e abertos aos cidadãos, e também mais responsabilizados, do que jamais aconteceu no passado. Em seu total mérito, aliás, o comportamento dos candidatos deu o tom a uma campanha profissional e respeitável.

Os media afegãos por seu lado desempenharam um papel muito importante. A maior estação de televisão privada, a ToloTV, apresentou uma série de debates televisivos de elevada qualidade pela primeira vez na história eleitoral do país. E as centenas de publicações, rádios e canais de televisão afegãs têm desenvolvido uma cobertura ininterrupta das eleições, com os jornalistas a não hesitarem nem um pouco em fazer as perguntas difíceis. O panorama de media no Afeganistão, em dinâmico crescimento, tem estado repleto de debate sobre as eleições ao longo destas últimas semanas - ao ponto de me sentir compelida a, finalmente, aderir ao Twitter.

Foi também muito recompensador ver os jovens no Afeganistão a envolverem-se nestas eleições. Muitos seguem atentamente os discursos dos candidatos, ouvindo e participando nas campanhas e plataformas políticas apresentadas e, depois, levando essa discussão para as redes sociais. O espírito de otimismo é palpável. Só nas últimas semanas, milhares de jovens afegãos têm feito filas à porta dos gabinetes de registo para se inscreverem e receberem os seus cartões de eleitor.

Ameaças e violência dos talibã não demovem os eleitores 

Previsivelmente, os talibã tentaram perturbar o processo eleitoral. Uma declaração encorajando ataques contra quem ousasse votar precedeu uma vaga de ações violentas contra os civis - como aconteceu no ataque ao gabinete central da Comissão Eleitoral em Cabul, a 29 de março. A resposta a esta violência foi uma indignação geral e a condenação de tais atos por parte dos candidatos às eleições e pelos cidadãos.

A mensagem tem sido clara: os afegãos não vão permitir que a ameaça de violência os impeça de decidirem o seu futuro. O ataque desta sexta-feira, 4 de abril, contra as duas jornalistas da agência noticiosa norte-americana Associated Press na província de Khost por um polícia afegão - ou alguém que envergava um uniforme de polícia - é o mais recente incidente chocante dessa ameaça.

Claro que estão muitos desafios pela frente. Hoje mesmo, a Amnistia Internacional divulgou uma avaliação sobre o currículo de direitos humanos do Governo do atual Presidente, Hamid Karzai, assinalando alguns progressos indubitáveis mas também um retrato que permanece muito difícil - e que as novas autoridades eleitas neste sábado terão de abordar com seriedade e não como uma questão de segunda linha.

Estão também em causa alguns aspetos sobre o percurso dos próprios candidatos às eleições. Muitos são acusados de graves violações dos direitos humanos cometidas durante as longas décadas de conflito no Afeganistão e, se forem eleitos, podem passar a ter uma posição de influência significativa nos casos em que eles mesmos devem ser julgados e responsabilizados. A responsabilização perante a justiça é crucial em qualquer sociedade pós-conflito, e os responsáveis de topo governamentais têm também de responder sobre os seus passados sangrentos.

Mas, apesar de todos estes desafios que estão pela frente, os afegãos uniram-se para mostrar o melhor do seu país nas últimas semanas. Conversei longamente com Haji Gul Agha, um dos líderes locais na província de Nahgarhar, o qual me explicou o nível de determinação do povo afegão: "Quanto mais os talibã tentarem intimidar-nos com a violência, tanto mais nós ficamos decididos em mostrar-lhes que não temos medo". O sentimento de esperança no Afeganistão é bem real - e todos devemos ajudar a certificarmo-nos que não é em vão.