Amnistia Internacional

Américas: Os direitos dos Povos Indígenas esmagados em nome do desenvolvimento

Amnistia Internacional

Quando a barragem de El Cercado abriu em Novembro de 2010, os gestores do projeto proclamaram-na como um triunfo de engenharia construído integralmente com know-how nacional. Além disso, o projeto foi apresentado como forma de ajudar a combater os efeitos das secas recorrentes em La Guajira, uma região do nordeste.



Porém, para o povo indígena Wiwa, nativo das montanhas da Sierra de Santa Marta, a construção da barragem assinalou uma mudança devastadora do seu modo de vida, assim como uma série de graves violações dos Direitos Humanos.



Desde 2002, as comunidades Wiwa que viviam na área da construção e em zonas próximas passaram a ser vítimas de um padrão recorrente de intimidações, destruição das suas casas, ataques a lugares de significado cultural, e ameaças e homicídios dos seus líderes espirituais e comunitários, levados a cabo por forças de segurança trabalhando em conjunto com forças paramilitares. Os grupos de guerrilha foram também responsáveis por homicídios e ameaças a membros da população Wiwa.



Aquando do início da construção da barragem, em 2006, vários membros das comunidades indígenas Wiwa foram deslocados à força das suas casas.



Tudo isto teve lugar num contexto em que o povo Wiwa não foi adequadamente consultado acerca da barragem e dos seus efeitos - houve apenas um encontro com a agência ambiental regional em Maio de 2005.



Os membros da comunidade Wiwa tornaram claro que qualquer decisão teria de ser tomada pelo corpo decisório que representa os quatro povos indígenas da Sierra Nevada. As autoridades colombianas não se desviaram do seu plano de completar a barragem de 360 milhões de dólares, e, três meses mais tarde, emitiram uma licença para prosseguir com a construção.



Até hoje, os Wiwa estão em campanha para receber compensações pelo impacto devastador que o projeto teve nas suas vidas.



"Tristemente, o caso dos Wiwa não é único, mas é sintomático de um padrão crescente ao longo do continente americano, onde governos estão a esmagar os direitos dos povos indígenas em nome do desenvolvimento económico", afirma Mariano Machain, Membro da Campanha da Amnistia Internacional pelos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.



Extração de riqueza



Os governos têm o dever de proteger os seus cidadãos contra violações de Direitos Humanos por parte de empresas.



Entre as várias empresas a levar a cabo projetos extrativos nas proximidades ou dentro das terras indígenas no continente americano encontra-se a canadiana Goldcorp, que desde 2003 gere a mina de ouro Marlin em San Marcos, Guatemala.



O fracasso da Goldcorp em consultar adequadamente as 18 comunidades indígenas Maya na área afetada pela mina dividiu as comunidades e deu início a uma série de violações dos Direitos Humanos.



Em Julho de 2010, a ativista Deodora Hernández foi alvejada à queima-roupa, ficando gravemente ferida na sua própria casa em San Marcos por dois homens não-identificados. Ela tinha falado em defesa do direito da sua comunidade à água, receando que a atividade mineira pudesse ter poluído o abastecimento de água local.



Em Fevereiro de 2011, manifestantes foram atacados após se insurgirem contra a mina Marlin. O ativista da comunidade, Aniceto López, foi levado ao gabinete do governador local, onde foi alegadamente agredido e alvo de ameaças à sua vida se não parasse de falar contra a mina.



A Goldcorp argumenta que cumpriu as suas obrigações, ao abrigo da lei nacional, de consultar as comunidades previamente, mas o Relator Especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos dos Povos Indígenas salienta que estas obrigações se encontram bastante abaixo dos padrões internacionais de consulta e consentimento.



Enfrentar as empresas e as leis



Em toda a região faltam padrões nacionais a este respeito nos países.



Durante quase duas décadas, o Hul'qumi'num Treaty Group (HTG) na Columbia Britânica, Canadá, tem estado em negociações com os governos federal e provincial, num esforço para ganhar reconhecimento legal dos seus direitos de território.



Enquanto estas negociações se arrastam, empresas de exploração madeireira, e outras, têm tido permissão para comprar, vender e explorar territórios dos quais os Hul'qumi'num ainda dependem para subsistência e cerimónias.



Frustrado com o fracasso do governo em proteger os seus direitos, o HTG foi forçado a levar o seu caso ao árbitro continental de Direitos Humanos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.



Robert Morales, negociador da HTG, resumiu a posição de vários povos indígenas que se encontram em desacordo com governos e empresas que ameaçam os seus direitos:



"Não estamos a pedir (...) que se inverta o relógio e se investiguem erros históricos. Estamos a exortar a proteção efetiva dos nossos direitos territoriais para podermos resolver a desflorestação e de outras atividades de desenvolvimento a acontecer no nosso território atualmente".



Progresso lento



Apesar de uma miríade de casos ao longo do continente americano nos quais povos indígenas - frequentemente com o apoio da Amnistia Internacional e de outras organizações civis - continuam a lutar pelo respeito pelos seus direitos, têm havido alguns raios de esperança desde o ano passado.



Em Agosto de 2011, o Peru aprovou uma lei sobre o direito à consulta dos povos indígenas quando estes são passíveis de ser afetados por projetos de desenvolvimento. Apesar de a reação a esta medida ter sido inicialmente positiva - é a primeira deste tipo no continente - as negociações com os povos indígenas peruanos sobre mais regulação e implementação foram rapidamente interrompidas.



Em Fevereiro de 2012, autoridades paraguaias chegaram a um acordo para restituir território ancestral à comunidade indígena Yakye Axa, que travou uma batalha legal durante duas décadas para voltar aos territórios após expulsão forçada por fazendeiros. Porém, aguardam ainda o acesso a estas terras. Outros povos indígenas no Paraguai, como os Sawhoyamaza, estão à espera da resolução das suas disputas territoriais de longa data.



E ainda no mês passado, após uma longa batalha legal, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos declarou o Estado do Equador responsável por violar os direitos do povo indígena Kichwa de Sarayaku após ter permitido a exploração de petróleo nos seus territórios ancestrais na Floresta Amazónica.

Dia 9 de Agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas  

Briefing: "Governments must stop imposing development projects on Indigenous peoples' territories"