Amnistia Internacional

A fome como arma e os crimes de guerra em Yarmouk

Entre 17 mil a 20 mil civis palestinianos e sírios estão encurralados e a lutarem pela sobrevivência em Yarmouk, sob cerco armado há vários meses que impede passagem de comida e medicamentos. Este horror da guerra na Síria repete-se por muitas outras partes do país, mergulhado há três anos num conflito que provocou já mais de 100 mil mortos e 9.3 milhões de refugiados e deslocados

Hannah Slater, coordenadora de Síria da Amnistia Internacional Reino Unido

Há apenas uns anos ninguém passava fome em Yarmouk. A região que nascera como um campo de refugiados palestinianos em 1948 gozava de um intenso fluxo de comércio. Agora deixou de ser um refúgio seguro e transformou-se no palco de uma das maiores atrocidades da guerra na Síria.

Atualmente em Yarmouk, os homens, mulheres e crianças que ali estão encurralados [pelo cerco armado das forças governamentais sírias] sobrevivem a escarafunchar nos escombros dos edifícios bombardeados, em busca de comida, alimentando-se de ervas daninhas e folhas de catos e bebendo água misturada com especiarias. A fome é tanta que foi emitida recentemente uma fatwa [decisão do mufti sobre um assunto relativo à lei islâmica] a permitir que se comam cães e gatos.

Pelo menos 60 por cento das pessoas que se encontram em Yarmouk estão em estado de subnutrição. A escassez de alimentos é tal que um quilo de arroz pode chegar a custar mais de 70 euros.

O campo de Yarmouk está cercado desde julho de 2013, sitiado pelas forças governamentais do Presidente Bashar al-Assad, com uns 17 mil a 20 mil palestinianos e sírios encurralados lá dentro e a lutarem pela sobrevivência. O mais recente relatório da Amnistia Internacional sobre a Síria demonstra que estão a ser cometidos crimes de guerra contra as pessoas que se encontram em Yarmouk.

Ninguém entra nem ninguém sai de Yarmouk há vários meses. O fornecimento de energia elétrica foi cortado há mais de um ano, e o campo está sujeito a uma política de "submissão ou fome". Em simultâneo, e em violação das leis internacionais, as forças armadas sírias levaram a cabo vários e repetidos ataques com bombardeamentos indiscriminados e devastadores, com caças MiG e recorrendo frequentemente a atiradores furtivos.

Apesar de ter sido permitida intermitentemente a entrada de ajuda humanitária, os últimos abastecimentos de comida foram feitos pela UNRWA [Agência das Nações Unidas de Ajuda Humanitária para os refugiados palestinianos no Oriente Próximo] a 28 de fevereiro.

A Amnistia Internacional apurou que 194 civis morreram em Yarmouk desde que o cerco das forças de Assad se intensificou em julho de 2013: 128 pessoas morreram à fome, dez foram mortas por atiradores furtivos (pelo menos duas enquanto procuravam comida) e outras 51 devido à falta de tratamento médico adequado. Entre estas perdas de vidas estão 12 bebés com menos de 12 meses e seis crianças com um ou mais anos.

Estes números são pessoas e as suas mortes constituem crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

A situação em Yarmouk é especialmente horrível - e a fotografia de um mar de caras esfomeadas à espera da distribuição de alimentos da UNRWA que se tornou viral por todo o mundo nas últimas semanas é disso testemunho. Mas este não é um caso isolado na Síria. A região de Ghouta oriental e muitas partes das cidades de Homs e de Al-Hasaka estão também sitiadas pelas forças governamentais sírias e milícias armadas aliadas a Assad. E as povoações de Zahraa e Nobl, nos arredores de Aleppo, estão cercadas por grupos armados da oposição.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a 22 de fevereiro a resolução 2139, declarando que a ajuda humanitária tem de chegar imediatamente à Síria, e especialmente a Yarmouk e outras zonas do país sitiadas - com "passos adicionais a serem tomados no caso de não cumprimento [da resolução]". Mas até o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, apresentar a sua avaliação sobre esta resolução, ao fim de 30 dias sobre a sua aprovação, é muito difícil ter perceção se a mesma está a ter algum efeito no terreno.

Certo é que desde 22 de fevereiro, Yarmouk já foi alvo de intensos bombardeamentos ao longo de quatro dias, entre 2 e 6 de março, pelas forças armadas sírias, depois de dois grupos de rebeldes terem retirado para Yarmouk.

É crucial pôr tanta pressão quanto possível sobre o Governo sírio e sobre as forças da oposição e deixar bem claro que estes ataques - estes crimes de guerra - são totalmente inaceitáveis. A Amnistia Internacional mantém o seu apelo para que sejam congelados os bens e interdita a deslocação de figuras-chave do conflito, assim como para que seja declarado um embargo de armas tanto ao Governo sírio como aos grupos armados rebeldes envolvidos em violações de direitos humanos. A organização insta ainda a que todos estes casos que configuram crimes de guerra e crimes contra a humanidade sejam submetidos ao Tribunal Penal Internacional.

Este sábado, 15 de março, é já o terceiro aniversário do conflito na Síria. E é crucial que expressemos solidariedade com o povo sírio - aderindo à campanha global #WithSyria. Temos de lembrar todos os envolvidos que o mundo está a ver e que o derramamento de sangue tem de acabar, e que a ajuda humanitária deve chegar quanto antes a quem dela tanto precisa, e, ainda, que o compromisso em conversações de paz no país tem de ser sério e real.

Juntem-se a este apelo, assinem a petição em que instamos os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas a usarem a sua influência diplomática para garantir a efetiva concretização no terreno da resolução 2139 e, com isso, garantir o acesso de ajuda humanitária aos civis que sofrem com a guerra na Síria.

E façam parte da campanha global #WithSyria, partilhando nas redes socias a imagem recriada pelo artista de rua britânico Banksy, a partir do seu icónico mural "There Is Always Hope", em solidariedade para com os civis sírios e em defesa dos direitos humanos.