100 reféns

Com o pénis cheio de picos

Tiago Mesquita (www.expresso.pt)

Esta é uma história espinhosa. João era um tipo azarado, melhor dizendo, o azar parecia andar sempre com o João atrelado. Como a canela e os pastéis de Belém. Só que esta pequena aventura tem pouco de doce. João havia saído há poucos meses de uma cama de hospital onde se encontrava em estado comatoso (provavelmente bateu com a cabeça num ovni a caminho da faculdade - um incidente que o deixou meio surdo) e mal sabia a festa em que se comemorava o seu "regresso" ao mundo dos vivos e às lides nocturnas ia terminar de forma inusitada para o seu orgão sexual.

Passava pouco da meia-noite quando a rapaziada saiu da vivenda de festas na Cúria onde tinham estado toda a noite a comer, beber e não sei mais o quê... Destino: uma aldeia perdida na Beira - como na música do mui nobre Carreira sénior. Estado dos rapazes: algum sangue a correr no álcool. Nos anos setenta encontrar uma brigada da GNR de madrugada era tão provável como avistar David Hasselhoff na Serra do Caramulo montado num pónei branco e a chupar um pirolito de maçã. E soprar no balão era coisa que não existia, pelo menos para o efeito que agora se conhece. Entraram num Ford Capri (uma bomba na altura) e com os muitos cavalos do motor a puxar as cinco cavalgaduras bêbadas no interior partiram a grande velocidade.

A coisa até estava a correr bem quando João, pela sexta vez desde que haviam iniciado a viagem, precisou de parar para urinar. Carro parado na berma da estrada junto a uma ribanceira (numa curva perigosa à esquerda) e porta aberta do lado do passageiro. João tinha a cabeça nas estrelas, a sarapintola na mão e o alívio a percorrer-lhe o corpinho. Os restantes esperavam no interior da viatura.

O acto mictório decorria quando começaram a ouvir-se gritos masculinos acompanhados do barulho de uma motorizada: "FUJAM! FUJAM!" Olharam todos para trás e pelo vidro conseguiram vislumbrar um capacete avermelhado a aproximar-se a grande velocidade e direito ao veículo. A enorme algazarra no interior contrastava com a figura serena de João que, mouco de todo, continuava a contemplar as estrelas enquanto abanava o órgão sexual antes de o guardar, coisa que não chegou a fazer.

Era tarde demais para fugir. Domingos - carteiro em part time e bêbado a tempo inteiro - tinha saído do posto dos Correios e feito a rota habitual. Primeiro passagem pela amante para comer favas com chouriço e depois tasca, local onde fazia questão de ficar a beber vinho tinto e a jogar à moeda até encerrar o estabelecimento ou cair para o lado. Mas neste dia guardou a queda para mais tarde. Completamente desgovernado e a gritar como um louco, acertou violentamente na porta aberta do automóvel, sem travar, e depois precipitou-se pela ribanceira abaixo. E lá foram Domingos - o carteiro, a mota - uma Sachs e ainda o azarado João com a pila na mão.

Os rapazes já fora do veículo ainda ouviram o restolhar encosta abaixo, gritos, um "ai Jesus", barulhos metálicos e ramagem a partir. Seguiu-se um profundo silêncio. "João? Estás bem?" Gritaram do cimo do morro. Nada. Durante minutos não se ouviu um pio. A preocupação aumentava e a bebedeira já era passado. Estavam nisto até que se ouviu do fundo do precipício um "Ai, ai porra pá! Porra! tenho a pi... cheia de picos! Você é cego homem?" e a resposta "Eu avisei, eu disse fujam, fujam - sois surdo?" - dizia Domingos desesperado, embriagado e com silvas até ao capacete, rematando com a frase "eu gritei fujam porra! Fujam era a minha buzina!".

Depois de retirados das silvas foram passar o resto da noite no posto da GNR de Mangualde. João a retirar picos do pénis, Domingos a ressonar como um suíno (depois de jurar que viu uma estrada do lado direito do carro) e os restantes a jogarem à sueca com os guardas. Bons tempos - dizem eles.

 

 

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