"É muito mais bonito quando se olha para o ajustamento de Portugal, congratulou-se Vítor Gaspar (numa conferência em Bruxelas), referindo-se aos efeitos já visíveis das medidas na redução do défice orçamental e da economia como um todo." Dinheiro Vivo
Há quem ache bonito ver o mar, a chuva a cair, o nascer e o pôr-do-sol. Há quem se comova com prados verdejantes e planícies douradas pelo trigo. Há quem fique sensibilizado com as escarpas recortadas de uma falésia ou com uma cordilheira polvilhada de neve. Há quem fique colado ao canal Panda depois de fumar substâncias proibidas e há, para finalizar, quem ache "muito mais bonito o ajustamento de Portugal". Quais passarinhos a cantar e flores a desabrochar. Bonito, bonito, é ver o défice menos aflito. Custe (e às custas de quem, já agora) o que custar.
O ministro Gaspar olha para os dados da economia como muitos olham para os calendários sensuais da Pirelli. Fascínio pelos contornos salientes de mulheres bonitas desnudadas? Peanuts. "Bonito é ver a secagem e o emagrecimento do sector privado. Assistir à redução do défice e sentir o ajustamento económico, isso sim, faz suster a respiração e causa um arrepio na espinha de um homem. É tudo tão bonito. E estas explosões do desemprego? Que maravilha. Vejam bem estas curvas generosas do gráfico 6.3. Eu perco a cabeça com um bom PowerPoint, palavra de honra. Fico horas a olhar para isto, a fazer projeções".
Esquece-se, o (in)sensível ministro Gaspar, que o ajustamento não é uma espécie de tela que se vai pincelando a gosto, uma obra inerte cujo processo de materialização não provoca dor alheia, servindo apenas para o deleite egoísta e mesquinho do artista que a vai criando. E se a arte é muitas vezes dor, a "arte" de Gaspar é apenas e só dor. Gaspar é um fraco artista político com poder a mais e a sensibilidade de um cacto.
E, mais grave, esquece-se, ou talvez a inexistente consciência social não lhe permita vislumbrar, de que, para poder usufruir destes pequenos momentos egocêntricos de prazer intenso, outros têm de experimentar sensações amargas. Sensações sem as quais viveriam melhor, sem sacrifícios constantes e numa ansiedade esmagadora. Sacrifícios no dia a dia, no emprego, nas empresas que os antepassados ergueram e que os impostos levaram, na família, no presente e no sonho de construir um futuro, nos filhos, na felicidade e, muitas vezes, na própria vida.
Depois de tudo o que este senhor não tem feito pelo país, atrevo-me a dizer que bonito, mas mesmo muito bonito, seria o ministro Gaspar permanecer caladito.