Estou cá c’uma Gana

Eu viajo, tu viajas, ele viaja

Enquanto me dirigia para a estação que seria o ponto de partida da minha viagem, recebia um sms de uma amiga inglesa que terminava com o seguinte pensamento: "I seriously hate the travel in this country..."

Tito Rendas (www.expresso.pt)

Referia-se, em particular, ao tempo que tinha perdido a arrastar-se pelo trânsito caótico de Accra e, em geral, à absurda eternidade que todas as deslocações consomem no Gana.

Depois de um mês de trabalho de campo, relatórios, reuniões e apresentações, resolvi oferecer-me uma semana de viagem pelas atracções turísticas do Gana - conceito que deve ser submetido a um processo de relativização na imaginação do leitor, tendo em conta o país em que me encontro.

Outro conceito cujo significado sofre uma importante mutação é o de "viagem". Conjugar o verbo "viajar" nos vários dialectos ganeses exige uma elevada dose de paciência. Aprendi a fazê-lo há uns dias.

Descrever os 1400 km que fiz nesses dias é um desafio tentador, mais que não seja pelas lágrimas que começam a borrar a folha onde escrevo estas palavras.

Lágrimas de riso e diversão que começam a escorrer quando me lembro das 4 horas de espera por um novo autocarro que sustituiria aquele que, uma hora e meia depois da partida para uma viagem de 12 horas de Accra a Tamale (principal cidade do norte do Gana), se avariou. Ao contrário do que seria de esperar na Europa, durante essas 4 horas não se ouviu uma queixa, um sinal de impaciência, um suspiro por parte dos ocupantes do autocarro. Com uma excepção: eu. Até que caí em mim. Quem sou eu para desafiar a indolência de um povo, para impôr horários a quem não os tem ou para dar pressa a quem não sabe o que isso é?

Lágrimas de riso e diversão que começam a escorrer quando me lembro das vezes  que questionei a sensatez da decisão de, naquela noite escura, entrar naquele taxi que ficou sem gasolina, perdido num dos 100 km de terra batida e lama que tinha para percorrer, de Tamale até ao Mole National Park.

Lágrimas de riso e diversão que começam a escorrer quando me lembro da boleia que o condutor do camião de caixa aberta nos deu quando - espanto o nosso! - o autocarro de Tamale para Kumasi (a segunda maior cidade do Gana e antiga capital do Império Ashanti) se avaria ainda com 200 km pela frente.

Estes são episódios que marcaram as viagens entre Accra e o Mole National Park, onde tive o privilégio de ser ameaçado por babuínos, assustar antílopes e ver elefantes a tratarem da sua higiene. Mas agora sei que não era essa a atracção turística. O caminho que me levou até lá fez-me completar o tal processo de relativização, para chegar à conclusão de que, afinal de contas, a verdadeira atracção turística é a viagem em si e não o destino final ou o que lá podemos encontrar.

Ao contrário dos aviões que apanhamos para irmos ver os monumentos das capitais europeias, das auto-estradas que percorremos para irmos esquiar à Serra da Estrela ou da ponte que atravessamos para irmos apanhar sol à Caparica, neste país, neste continente, as viagens são um fim em si mesmo, são o ponto de partida e de chegada.

E enquanto regresso à estação que me viu partir e vejo o fim desta minha viagem aproximar-se a passos largos, há um pensamento que se recusa a deixar-me: "I seriously love the travel in this country..."