Foi um rio que passou na minha vida, já disse o carioca Paulinho da Viola, referindo-se ao seu amor pela Escola de Samba Portela. Invoco aqui o pensamento do meu conterrâneo, em homenagem à revolução tranquila que, qual um rio caudaloso, inundou a minha vida.
Depois de 12 anos a trabalhar na área da Economia, voltei quase ao início do caminho e abracei o desafio de tentar fazer jornalismo de revista. O balanço do trabalho deixo aos leitores e a quem participou nesta empreitada, quer como colegas de profissão quer como retratados.
Desde então, mudou muita coisa e os medos de não cumprir a contento a tarefa, às vezes parecem capazes de afogar os arroubos da ousadia discreta que me caracterizam. Paciência, é que me aconselho a mim mesma e peço a quem me acompanha. O preâmbulo muito pessoal é só para explicar porque continuo carioca, mas já não carrego o subtítulo de jornalista de economia. E para explicar o porquê de ter sumido deste espaço. A transição - há quem chame luto - leva o seu tempo...
Para começo de conversa, vou explicar como pretendo preencher este espaço de diálogo que nos une. Pretendo usar este blogue para abordar os temas sobre os quais vou escrever na Única. Falar do que se passou no antes, durante e depois da publicação dos artigos. Ouvir as críticas construtivas de quem disponibilizou o seu tempo a ler os meus trabalhos. Comecemos pelo início, que, acredito, é sempre uma boa forma de começar.
O primeiro trabalho na Única durou meses a ser concluído. O tema foi sugerido ainda estava eu na Economia, mas já a pensar em ensaiar novos voos. A ideia era ver quem eram e aonde estavam as elites negras em Portugal e quais os obstáculos enfrentados por estas pessoas até alcançarem o chamado sucesso profissional.
Curiosamente, o assunto foi considerado, à partida, relevante e foi me dado um ok imediato para arrancar com o trabalho. Entusiasmada, fiz um projecto grandioso que poderia passar pela tentativa de transformar o tema num foco de discussão na sociedade portuguesa, acompanhado pela realização de uma sondagem nacional, questionando directamente as pessoas sobre as suas experiências com profissionais qualificados integrantes de minorias étnicas e sobre a existência de racismo. Outra ideia era trazer a mediática Oprah Winfrey a Portugal para abordar o tema e desenvolver um projecto interactivo na Internet.
O tempo foi passando e os problemas surgindo. A primeira grande e fundamental dificuldade foi a de encontrar os representantes das ditas elites que estivessem disponíveis a contar as suas experiências. Silêncio quase total. Os nomes de verdadeiro peso não se mostraram disponíveis. Nem António Costa, nem Zeinal Bava, nem Francisca Van-Dunem. Parece ser mais simples convencer pessoas com opções sexuais alternativas a se assumirem do que levar as minorias étnicas de sucesso a revelar os seus eventuais percalços e receios.
O trabalho foi-se fazendo, sem convidado internacional, nem sondagem nacional. Internacionalmente, o tema crescia dia a dia. Até ao ponto em que Barack Obama não conseguiu continuar a utilizar meias palavras e colocou a fractura no centro da campanha presidencial norte-americana. O racismo não se resolve no espaço de uma votação, disse ele, nem em um país em que o tema já é discutido com mais à vontade.
Porque é tão difícil em Portugal falar do racismo? Porque há tanto receio em ferir susceptibilidades, de brancos e de negros, mestiços ou hindus? Porque tanto cuidado? Recordo-me que, nem quando houve a Cimeira Europa-África, os Gato Fedorento, conseguiram tocar verdadeiramente no tema. Usaram um artifício cómico de super-heróis desconstruídos e fragilizados, mas as pessoas de rosto moreno, não apareceram. Confesso que continua a ser um mistério para mim...
A única conclusão plausível foi a interpretação de alguns investigadores que se dedicam ao tema das minorias étnicas de que, conseguido o sucesso, estas pessoas preferem tornar-se transparentes... E a chamada maioria branca, prefere ser cega? É que há uma diferença, que deveria ser assumida como uma riqueza, baseada na multiplicidade, mas que, comodamente, prefere ser ignorada.
Quem sabe se aqui aparece alguém capaz de me esclarecer e, por isso, lanço algumas questões, prática que se tornará método neste espaço: Já foi alvo de racismo? Tem superiores hierárquicos que sejam representantes de minorias étnicas? Elegeria um Presidente da República, que fosse representante de minoria étnica? Há racismo em Portugal?
Sejamos adultos e abordemos o tema com frontalidade e elevação!