Ré em causa própria

"Os juízes são iguais aos outros?" (III)

Adelina Barradas de Oliveira, Juíza Desembargadora

Esta é uma máxima do código Bushido dos Samurai.

Muitos perguntarão: Os juízes são senhores de certezas absolutas? A única certeza que o Juiz tem ao entrar na sala de audiências é a de que na realidade, nada sabe, nenhuma certeza tem a não ser a de que sabe que no fim do julgamento, terá perante si vários seres que lhe imploram que não seja igual aos outros.

Na sua solidão de ser titular de um poder que não é absoluto mas que de tão independente o obrigará a caminhar necessariamente só por entre os outros, o Juiz sente o dever de ser um Homem eticamente diferenciado, que não deixa contudo de sorrir, rir, chorar, sofrer, ser pai mãe, filho, marido, esposa, irmão, de se enraivecer e de se enternecer, de se apaixonar, de odiar, ....

de sentir que a criança vitima de abuso sexual que está à sua frente e com dificuldade lhe conta pela terceira ou quarta vez como foi abusada, podia ser seu filho, mas não o pode ver como filho;

que não esquece que o homem que matou o outro podia ser ele próprio mas também ele Juiz podia ser a sua vítima, e só o pode olhar como alguém que violou uma norma e atentou contra um bem supremo;

a que se forma um nó na garganta quando uma mãe ou um pai por entre lágrimas não lhe consegue descrever o sofrimento que sente pelo sofrimento que causaram ao seu filho, mas tem de o olhar como o homem distanciado que tudo percebe e por momentos deixa de sentir;

que não deixa de sentir o peso da vergonha do que para não perceberem que estava na miséria deixou de pagar ao Estado os seus impostos, a fim de não deixar os seus empregados sem vencimentos;

que se emociona pela juventude desperdiçada do miúdo que trafica droga para consumir, que o imagina seu filho na desventura completa de um mundo que não devia ser dele aos 17, 18, 20 anos...que ...e que.... e que...

Os juízes não nascem fadados para o ser. Mas, provavelmente trazem em si características que os outros não têm.

Sendo necessariamente um homem livre, porque não o sendo cairá na dificuldade e na angústia da decisão, o Juiz embora finalmente distanciado, interiorizou todas as fraquezas, todas as igualdades e desigualdades, todas as falhas, compreendeu-as e analisou-as pesou-as e filtrou-as para em serenidade decidir com imparcialidade e isenção.

Muitos dirão: - Eu nunca conseguiria decidir.



Muitos perguntarão: -Como dormes depois de condenar alguém?

E muitas vezes eu penso:



Durmo bem, mas já dei muitas voltas até serenamente o condenar e serenamente entregar no papel aquela que, em consciência ,no caso concreto, é a única decisão possível e ajustada a cada um dos intervenientes no processo.

Faria a maioria dos aqui estão hoje presentes este caminho com serenidade e com a certeza de que no final sentiriam que chegaram ao fim? E de que o fim não poderia ser outro?

Sente-se cada um de vós capaz de vestir este Poder /Dever? A coragem de o assumir?

Não sei. Também eu não faria com serenidade nem com coragem o caminho do cirurgião.