Ré em causa própria

Monarquia e Hierarquia versus Procuradoria

Numa semana muitas coisas aconteceram  no Ministério Público, numa época que é de revisão constitucional.

Adelina Barradas de Oliveira

Está um calor sufocante e o País está de novo a arder nas suas zonas mais verdes. Assim, não convém deitar mais lenha para a fogueira mas,... chegada de uns dias de sossego, vejo que numa semana muitas coisas aconteceram  no Ministério Público, numa época que é de revisão constitucional.

 

O Sr. Procurador Geral da República apresenta-se desgostoso e compara-se a sua Majestade a Rainha Isabel II, a chefe de Estado no poder há mais tempo na Europa, dizendo ter os mesmos poderes que a monarca britânica.

 

Quanto aos poderes e de forma muito resumida, sabemos que a Coroa é entregue à Rainha, mas em geral as suas funções são exercidas pelos ministros que, respondem perante o Parlamento.

 

Mas, há que ter também em conta que a rainha como pessoa individual tem imunidade nos processos civis ou penais e não pode ser demandada perante a justiça.

O que me deixa baralhada é o não perceber quais os poderes que faltam ao senhor Procurador Geral uma vez que, os que tem, nunca lhos pus em causa nem duvidei deles.

 

Na verdade no Estatuto do MP pode ler-se:

SECÇÃO II

 Procurador-Geral da República

Artigo 12.° (versão anterior)

Competência 

1 - Compete ao Procurador-Geral da República: 

Presidir à Procuradoria-Geral da República;Representar o Ministério Público nos tribunais referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º;

Requerer ao Tribunal Constitucional a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma.

2 - Como presidente da Procuradoria-Geral da República, compete ao Procurador-Geral da República:

a) Promover a defesa da legalidade democrática;

b) Dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do Ministério Público e emitir as directivas, ordens e instruções a que deve obedecer a actuação dos respectivos magistrados;

c) Convocar o Conselho Superior do Ministério Público e o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e presidir às respectivas reuniões;

d) Informar o Ministro da Justiça da necessidade de medidas legislativas tendentes a conferir exequibilidade aos preceitos constitucionais;

e) Fiscalizar superiormente a actividade processual dos órgãos de polícia criminal;

f) Inspeccionar ou mandar inspeccionar os serviços do Ministério Público e ordenar a instauração de inquérito, sindicâncias e processos criminais ou disciplinares aos seus magistrados;

g) Propor ao Ministro da Justiça providências legislativas com vista à eficiência do Ministério Público e ao aperfeiçoamento das instituições judiciárias ou a pôr termo a decisões divergentes dos tribunais ou dos órgãos da Administração Pública;

h) Intervir, pessoalmente ou por substituição, nos contratos em que o Estado seja outorgante, quando a lei o exigir;

i) Superintender nos serviços de inspecção do Ministério Público;

j) Dar posse ao Vice-Procurador-Geral da República, aos procuradores-gerais-adjuntos e aos inspectores do Ministério Público;

l) Exercer sobre os funcionários dos serviços de apoio técnico e administrativo da Procuradoria-Geral da República e dos serviços que funcionam na dependência desta, a competência que pertence aos ministros, salvo quanto à nomeação.

m) Exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas por lei.

3 - As directivas a que se refere a alínea b) do número anterior, que interpretem disposições legais, são publicadas na II Série do Diário da República.

4 - (...)

5 - (...) 

Se o Sr. Procurador Geral tem todos estes poderes, de que poderes necessita mais ? Não será antes um problema de exercício dos mesmos ou, da forma como quem os exerce os direcciona ou aplica quer ao MP, quer às polícias?

Ou será uma questão de disciplina? Mas para isso, o Sr. Procurador tem poderes e acabou, como vimos, por exercê-los.

Talvez eu esteja errada e não consiga ver quais os poderes que faltam a quem preside ao MP que, de acordo com o artº 3º do Estatuto, representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente estatuto e da lei e, tem como missão velar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis.

Na entrevista dada ao José Rodrigues dos Santos, o Sr. Ministro da Justiça que, se tem mostrado um verdadeiro diplomata (e tem vindo a público pronunciar-se apenas quando, entende ser absolutamente essencial a quem está ministro), acabou por focar pontos que nada têm que ver com os poderes do Procurador Geral da Republica mas, com a administração da Justiça em geral e que, se estivermos atentos, já são problemas há muito apontados.

Não me parece ser oportuno este carpir de falta de poderes numa fase de revisão constitucional porque, com toda a sinceridade e lealdade, me parece esta falta de poderes, uma falsa questão. 

Já aqui falei da hierarquia e disciplina do MP. Não tinha ainda falado dos poderes do Sr. Procurador Geral. Mas, tendo o MP uma estrutura hierarquizada e tendo quem o preside os poderes necessários a fazer respeitar essa hierarquia, discordo da imagem metafórica de comparação com "Isabel Segunda, pela Graça de Deus, do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e de Seus outros Reinos e Territórios Rainha, Chefe da Comunidade Britânica das Nações, Defensora da Fé".

Acresce que a Rainha pode manifestar livremente suas próprias opiniões em privado para que sejam consideradas pelos Ministros. 

 Já o Sr Procurador Geral da República fê-lo em público, o que não quer dizer que deva, assim como não o devem os Srs. Procuradores em geral uma vez que, o lamento colectivo, parece feito à volta de um processo específico.

É que há assuntos, opiniões e visões da realidade que só aos que a vivem dizem respeito e só por eles e entre eles devem ser solucionadas, sob pena de se abalarem os alicerces, de um alicerce do Estado de Direito, aos olhos dos leigos no assunto e, de se misturarem como diz o povo " alhos com bugalhos".

Quanto à necessidade do mais alto Magistrado da Nação ter de se pronunciar sobre um assunto que, a meu ver é de disciplina interna, não vejo a mínima necessidade ou oportunidade a não ser que, se queira, aproveitar "o balanço" da revisão constitucional.  E isso, não me parece necessário ou melhor, parece-me absolutamente desnecessário.

ACCB

Adelina Barradas de Oliveira ( de regresso ao trabalho ).