Hoje é dia Mundial do Teatro. O tema não podia ser mais atual. Fui ver ontem "A Modéstia". As palavras, tal como "modéstia", são ocas se não trazem consigo mais do que a casca? Haverá nelas uma seta que refira uma realidade incontornável, uma espécie de pedra no sapato; ou tesouro a descobrir? Ou tudo se trata de uma construção a fazer a partir delas mesmas? Sabemos que o sujeito "moderno" pretende construir ou protagonizar a aventura de uma modernidade já mais que pós, pós moderna. E o que encontramos no caminho, e no final? Mel, fel, os dois? Nada? Importa ir ao Teatro, ver com os próprios olhos e cruzar os nossos "dizeres", muitas vezes calados, muitas vezes amordaçados. Outros gritados de mensagens, outros de impotências, outros tantos quantas bocas há no mundo.
Nos mundos? Foram-te longe encerrar, ó discurso? Faz sentido ainda o tema das narrativas? É a já velha(?) "fusão de horizontes"? Neste caso "fusão das linguagens"? Mas se nada há, o que se funde? Eu sei.
O Teatro da Politécnica está de parabéns. "É a vez do argentino Rafael Spregelburd (actor, dramaturgo, encenador, tradutor) com a peça 'A Modéstia'. Ela faz parte da Heptalogía de H.Bosch sete obras inspiradas nos pecados mortais do pintor flamengo. Escritas ao longo de uma década, cada uma é um desafio às regras desta civilização em decomposição e uma tentativa de sabotagem do próprio teatro." (Jorge Silva Melo)
"Em 'A Modéstia' há poucas certezas. Os actores e eu tratamos os protagonistas desta história com uma piedade inusual. E, apesar disso, embora todos abracem o Bem como fim, não poderia correr-lhes pior." (Rafael Spregelburd)
A produção dramática de Rafael Spregelburd é uma investigação acerca da linguagem como princípio da realidade do homem. Na sequência do "linguistic turn", a poética de Spregelburd defende que o nosso universo é linguagem. Concorda assim com Wittgenstein, para o qual "os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem."
Em "A Modéstia" as personagens são figuras da linguagem, uma linguagem que ela própria monta a referência. Trata-se de uma referência que não possui realidade, uma referência que não remete e, por isso, é estranha. O autor quebra assim uma das tradições mais poderosas do teatro nacional : o realismo.
Para aguçar o apetite para as 19h ( o jogo para a Taça de Portugal é só às 21h...dá tempo!) deixo uma entrevista de Rafael Spregelburd que encontrei na net:
"En muchas de tus obras, sino en todas, parecen conjugarse dos tendencias: una, si se quiere, más intelectual, relacionada con cuestiones filosóficas, de gran envergadura; y otra cercana a una estética más popular.
Sí, así es. Toda dramaturgia, y me atrevo a decir toda creación, implica un acto que une dos aspectos aparentemente distanciados de nuestra experiencia vital. El creador es quien tiene la pauta caprichosa, libérrima, que determina que en su obra dos elementos que pertenecen a marcos referenciales diferentes van a aparecer conjugados. Es la experiencia elemental de toda poesía. Cuando más distantes y más contradictorios sean esos elementos a combinar, mayor será la sensación de paradoja, que está en la base de toda búsqueda teatral. Las altas cuestiones filosóficas por sí solas no garantizan teatralidad; tampoco lo hacen la banalidad del mundo pop en el que vivimos sumergidos hasta las narices. Es la rara relación de lo uno con lo otro lo que me genera curiosidad.
¿Te interesa la hibridación de géneros, de lenguajes?
No sé si tenemos derecho a llamar hibridación a esto; yo más bien tiendo a pensar que es poesía."