No dia em que Sir Paul McCartney celebra 80 primaveras, William John Paul Gallagher, devoto da igreja dos Beatles e ícone por direito próprio, regressou a Portugal depois de uma longa ausência. O último concerto dos Oasis, a banda que formou (e dissolveu) com o irmão Noel, data de 2009, e nem a solo nem com a sua outra banda, os Beady Eye, o músico inglês voltou ao nosso país desde então. À sua frente, pelas sete da tarde, o homem que dispõe os seus motes de vida no fundo do palco - "rock 'n' roll" e o clube de futebol Manchester City - tinha uma imensa plateia. Quando o ecrã gigante o filmava de costas, ligeiramente inclinado sobre o suporte do microfone e com milhares de cabeças atentas no anfiteatro natural da Bela Vista, a imagem remetia para outros carnavais, nomeadamente os épicos espetáculos que os Oasis deram em Knebworth, Inglaterra, em 1996. Em 2022, é bom de ver, o contexto é outro. Liam Gallagher está no Rock in Rio a solo, com um punhado de canções dos Oasis e outro de temas a solo, retirados dos três álbuns que lançou entre 2017 e o passado mês de maio. Perante si, tem uma plateia volumosa, mas não necessariamente conhecedora de tudo o que tem feito. Nas primeiras filas, o entusiasmo dos fãs "de raiz" é vibrante. No resto do recinto, a multidão mantém-se atenta até ao final, mas é sobretudo com os dois últimos temas - o super-clássico 'Wonderwall' e 'Cigarettes and Alcohol', também dos Oasis - que a euforia se dá.
Imperturbável no seu estilo, com uma postura entre o desafio e as tentativas de comunicação, Liam Gallagher nem sempre se fez entender, mercê do cerrado sotaque de Manchester e de algumas referências menos óbvias. O futebol não podia, porém, ficar de fora: com o seu Manchester City a sagrar-se campeão da Liga Inglesa este ano, o cantor fez saber que adora os portugueses Bernardo Silva e Rúben Dias, este último "ainda mais, agora", atalhou, numa alusão à cabeçada que o pai deste futebolista deu a Noel Gallagher, o seu irmão e 'rival', nas festas do título.
Alternando entre as canções dos Oasis ('Hello' e 'Rock 'n' Roll Star' logo a abrir, 'Roll It Over' e 'Slide Away' mais adiante) e os temas da sua carreira a solo, Liam Gallagher ouviu, naturalmente, mais aplausos quando se debruçou sobre o legado da banda de "Definitely Maybe". Na verdade, e em termos sonoros, não existe uma diferença radical entre o que fez com os Oasis e o que tem criado em nome próprio, mas a safra dos primeiros simplesmente soa diferente. Pode ser só o efeito da nostalgia a falar, já que algumas canções do mais recente "C'mon You Know", como 'Everything's Electric' ou 'More Power', esta em modo soul-gospel, soaram bem num final de tarde em que o sol espreitou por trás das nuvens com força suficiente para o artista, que por vezes abocanhava a pandeireta, reparar no calor dos seus raios.
Foi com a penúltima canção do alinhamento, porém, tocada "enquanto alguém já deve estar a olhar para o seu relogiozinho cheio de medo", que muitos terão dado por bem empregue o dinheiro do bilhete. O dito relógio marcava 19h52 quando 'Wonderwall' se ouviu no Parque da Bela Vista e Liam Gallagher adaptou a letra ao contexto ("there are many things that I would like to say to you but I don't speak Portuguese"), deixando o público entoar a plenos pulmões um daqueles refrões com lugar cativo na história do pop-rock. Já de carapuço da parkita enfiado, ainda ofereceu 'Cigarettes and Alcohol' à Bela Vista - e a pandeireta a um fã exultante - ,despedindo-se com um promissor "até breve".