Luís Féria não tem dúvidas quanto ao principal erro que cometeu na sua vida no que diz respeito a investimentos: chegou tarde ao mercado, a nível pessoal, como forma de valorização do seu património próprio e complemento de reforma. "Isto sucedeu-me, mesmo sendo eu um profissional de mercados. A única explicação que posso encontrar é a tal aversão ao risco que culturalmente nos define", explica o diretor de mercados acionistas do BCP. A pouca tolerância ao risco é precisamente um dos pontos que melhor caracterizam os investidores portugueses e um dos entraves a que possam evoluir ao nível dos restantes países da Europa Central e até, numa fase mais avançada, dos Estados Unidos.
Os últimos estudos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), de 2009, não deixam margem para dúvidas: menos de 10% das famílias tem produtos financeiros, tais como ações, obrigações, participações em fundos de investimento e produtos estruturados ou derivados, manifestam algum desconhecimento relativamente aos riscos de mercado e, no futuro, não encaram sequer a possibilidade de vir a investir em valores mobiliários.
Um passo para a diferença
Um panorama pouco animador, no qual o Global Investment Challenge (GIC) pretende marcar a diferença e ir mais além, não sendo apenas um mero jogo de Bolsa, mas uma plataforma capaz de formar e informar, atuando como o primeiro patamar de acesso a uma das opções de gestão de património com maior rendibilidade, ainda encarada com alguma suspeição por parte de quem desconhece os seus mecanismos de funcionamento.
"Em algumas privatizações portuguesas chegámos a ter quase um milhão de investidores em ações. Pode parecer uma contradição, mas não é: assistiu-se a um pico de investimento pontual, que é bem diferente do investimento regular e consistente que defendemos", acrescenta. "Essa é uma das nossas cruzadas: os portugueses têm de perceber que o investimento em ações a médio/longo prazo é o que tem melhores rendibilidades face a qualquer outra classe de ativos". Esta foi uma das razões que levaram o BCP e o Activo Bank a associarem-se a esta iniciativa, que não se dirige apenas a profissionais ou entendidos nesta área, mas a toda a população em geral - e que, a título pessoal, levaram Luís Féria a redimir-se do seu erro incitando os filhos, estudantes universitários, a investir em ações assim que chegaram à maioridade.
Iliteracia: objetivo em movimento
A educação dos investidores foi também um dos motivos que levaram a NYSE Euronext Lisbon a associar-se ao GIC. "Não basta ter informação, é preciso tratá-la e ter apetência por mais. A formação é o elemento crucial para lidar com toda esta realidade que, mesmo tendo a sua complexidade, exerce um papel fundamental nos mercados", defende Luís Laginha de Sousa.
O pouco que os portugueses investem ainda é sobretudo em ações, ao contrário do que acontece noutros países, em que este tipo de investimento direto perde cada vez mais terreno para veículos coletivos, como certificados ou fundos, que têm gozado de um crescimento exponencial nos últimos dez anos, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Porquê? Mais uma vez a razão alicerça-se no desconhecimento das opções à disposição. Para o presidente da Euronext Lisbon, a formação é uma área especialmente importante, embora não deva ser encarada como um momento único, a que apelida de big bang ou silver bullet, capaz de ser solucionado com duas ou três medidas, mas sim como um processo evolutivo que requer um esforço continuado. "O nosso objetivo é tentar elevar o nível de literacia financeira da população em geral, sobretudo da que ainda estará em condições de ter uma vida económica mais ativa", continua Luís Laginha de Sousa. Neste contexto, a NYSE Euronext Lisbon tem em linha vários projetos, desde formação na área de derivados (com sessões em Lisboa e no Porto para níveis iniciais ou mais avançados, com a participação de especialistas), programas de acolhimento a alunos (que só no último ano já qualificaram 2500 estudantes de 40 escolas e universidades), participações em conferências e seminários, ações conjuntas com entidades externas (como o Instituto de Formação Bancária) e retiros de reflexão com empresários.
Longo caminho a percorrer
"Quero acreditar que, se ao nível de literacia e rendimentos tivéssemos uma situação comparável com os restantes países da União Europeia, provavelmente teríamos a mesma apetência", esclarece Luís Laginha de Sousa. Por isso mesmo, crê que há ainda um longo trabalho a percorrer por parte de um leque alargado de instituições com competências para contribuir para um salto evolutivo global nesta matéria. Não é que este não esteja já a ser feito, mas o esforço deve ser continuado e vincado num propósito conjunto e sem dispersões. "Os portugueses têm uma relação muito forte com o banco e estas instituições têm um papel fundamental no seu acompanhamento, assim como as entidades reguladoras e alguns organismos da administração pública como a AICEP e o IAPMEI, entre outros. Estes períodos de crise despertam as consciências para novas prioridades e um reforço da atuação nesta área é benéfico para todos", conclui. E esta é por isso uma boa oportunidade para mostrar aos portugueses onde investir de forma mais sensata, racional e eficaz o seu património.
O 'mantra' dos vencedores
Uma das regras mais importantes que os concorrentes devem encarar como móbil de atuação é informarem-se. Informarem-se antes e durante a competição. Fazer o 'trabalho de casa' é fundamental, seja num jogo ou nos mercados reais, porque só desta forma conseguirão clarificar ideias e optar pelas estratégias que consideram mais confortáveis e adequadas ao seu perfil e objetivos. Os investidores não podem perder de vista que, num momento de consolidação, os mercados poderão apresentar desempenhos razoavelmente bons durante algum tempo, mas que depois corrigem. E aqui entra outra regra de ouro de Luís Féria: "Realizem as mais-valias e disciplinem as menos-valias. Se uma ação, certificado ou warrant tiver uma boa valorização, é melhor desfazerem parte ou toda a posição. O mesmo nas menos-valias. É fundamental a definição do nível de perda. Depois tendemos a tentar encontrar possíveis explicações para que aquela ação venha a recuperar, mas se na vida real isso já é difícil, em dez semanas é ainda mais complicado", assegura. Estes foram precisamente os erros que os participantes da última edição do Global Investment Challenge assumiram que mais cometeram: não se informaram o suficiente, não acompanharam a evolução dos mercados ao longo das 13 semanas nem estudaram o impacto dos indicadores económicos. Tinham pouco conhecimento das empresas cujas ações escolheram, não investiram na diversificação de portefólios nem delinearam níveis de ganhos e perdas bem estruturados. Alguns destes lapsos fizeram-nos perderem pontos preciosos que não voltaram a recuperar na competição. Concluída a análise destas variáveis, o passo seguinte é a formulação da estratégia. Não há uma, mas várias, mas esta tem de estar bem presente na mente do participante/investidor. Quando no decorrer do jogo for chamado a decidir, em cada momento, sobre como distribuir o capital pelos três produtos, poderá questionar-se, mas não vacilar sem saber que rumo seguir. "Tal como na vida real é importante definir e observar um método de investimento, ou seja, cumprir, com rigor, uma disciplina", conclui Luís Féria.
E o vencedor será?
Luís Laginha de Sousa e Luís Féria não se adiantam quanto a possíveis opções dos concorrentes nem em quem poderá ganhar o jogo. No entanto, ambos concordam que, para se chegar ao final e obter a maior valorização da carteira fictícia, é fundamental ter um bom conhecimento dos mercados financeiros e da sua mecânica de atuação, bem como muito rigor e disciplina.
Os novos instrumentos financeiros à disposição aumentam o nível de risco e abrem um mundo de possibilidades, mas elevam também o grau de dificuldade. Quanto investir? Onde? Durante quanto tempo? Em que percentagem? "No mercado real de ações existem estratégias de investimento ganhadoras, vindas da teoria financeira. Num jogo de dez semanas é muito mais complicado", conclui o diretor de mercados acionistas do BCP. Nada como experimentar, aprender e divertir-se. Quem sabe se não testa, sem risco, a tática que pode marcar a viragem da sua vida nos negócios?
Texto publicado no caderno de Economia do Expresso de 02/10/10
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