"A crítica é puramente ideológica", replica, em declarações ao Expresso, Thomas Piketty, autor de "Capital no século XXI", sobre a crítica de Chris Giles, editor de Economia do "Financial Times" (FT), que acusou ontem o volumoso trabalho do professor francês de ter erros nos dados e de se candidatar a ser mais um caso ao estilo dos erros de Excel e metodológicos de Carmen Reinhart e Ken Rogoff que estoirou no ano passado.
O Expresso falou com Piketty esta semana na École d'Économie de Paris sobre o best-seller que agitou particularmente os Estados Unidos e publicou a entrevista na edição impressa de ontem.
O centro da divergência entre Piketty e o FT tem a ver com o que ocorreu depois dos anos 1970-1980 - a questão vital é esta: o peso dos segmentos de topo na riqueza subiu nitidamente (como documenta o professor francês) ou mantém-se "plano" (como documenta Chris Giles no artigo de crítica).
Em termos político-económicos: os ricos dos ricos estão a formar de novo uma oligarquia em larga medida "rentista" ao estilo do século XIX e começo do século XX e que pode vir a ser uma "ameaça para a democracia" (como aponta Piketty) ou isso é um exagero baseado em dados errados em vários casos (como alega Giles do FT).
Em termos globais, o peso médio do valor do capital privado - de todos os segmentos detentores de capital, não só os 10% ou 1% - no rendimento nacional subiu de um mínimo histórico nos anos 1950 de menos de 300% para mais de 400% em 2010. O cenário principal simulado por Piketty aponta projeções desse rácio para quase 500% em 2030, ou seja um patamar similar ao verificado em 1910, quando se atingiu o pico histórico deste indicador com base em dados desde 1870.
Sobre a polémica com o FT, Piketty disse hoje ao Expresso que o jornal britânico deve publicar uma classificação das fortunas diferente se a tiver, indicando quais as conclusões diferentes que tira. Um desafio que já fizera na resposta ontem publicada no jornal britânico, em que, no entanto, não responde ponto por ponto aos erros apontados por Giles.
Piketty alega que "todas as classificações sobre fortunas do mundo indicam que os patrimónios mais elevados progrediram muito mais rapidamente do que a média dos patrimónios", remetendo os críticos para o quadro de síntese desses dados publicado no livro (tabela 12.1 na página 435 no capítulo 12 sobre "Desigualdade Global na Riqueza no século XXI").
Nesse quadro, Piketty aponta que a média anual, em termos reais (descontando a inflação que foi de 2,3% por ano em média no período assinalado), do crescimento da riqueza dos segmentos do topo foi superior a 6% entre 1987 e 2013, um ritmo que é mais de 3 vezes superior à média mundial do crescimento total da riqueza, mais de 4 vezes o crescimento médio do rendimento por adulto no mundo e cerca de 2 vezes a taxa de crescimento do PIB mundial.