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Juiz Griesa repreende governo argentino e ordena continuação das negociações

Na audiência que decorreu sexta-feira em Nova Iorque o juiz Thomas Griesa manifestou-se incomodado com "expressões" usadas pelos governantes argentinos e recordou que as obrigações decorrentes da sua sentença são para cumprir. Argentina vai recorrer à Comissão de Valores norte-americana.

"Espero que a República Argentina dê passos para deixar de difundir informação enganosa", disse o juiz Thomas Griesa na audiência que decorreu esta sexta-feira em Nova Iorque, para a qual convocou os advogados representantes do governo argentino e dos fundos litigantes, segundo refere Silvia Pisani, no jornal argentino "La Nación", citando fontes presentes na audiência.

O juiz, além de se manifestar incomodado com expressões "altamente equivocadas" usadas pela delegação e governo argentinos ao longo da semana durante o processo de mediação e após o seu colapso, recordou que a sentença se mantém: "As obrigações da República Argentina seguem de pé. O que ocorreu esta semana não extingue nem reduz as obrigações da República Argentina", refere-se no mesmo despacho da jornalista de "La Nación".

 

Griesa mantém mediador, mas dá um "doce"

Segundo o diário argentino "Clarín", o juiz nova-iorquino teria insistido que a Argentina deve cooperar com o mediador Daniel Pollack por ele nomeado e procurar chegar rapidamente a um acordo com a outra parte. "Isto não é um concurso de personalidades" disse, ironicamente, o juiz, para justificar que é possível "chegar-se a um acordo dentro da lei".

Thomas Griesa insistiu, por isso, na continuação das negociações entre as partes e ratificou Daniel Pollack como mediador judicial, que reafirmou ser "completamente imparcial", apesar dos advogados da Argentina terem referido que o governo argentino perdera a confiança naquele mediador depois do comunicado emitido em que referia uma "iminência" de default.

O juiz não manifestou nenhuma posição sobre se a Argentina estaria em incumprimento ou não, considerando que esse assunto é matéria para outros. Disse que "não queria entrar em questões de definição e linguística", mas não deixou de sublinhar que "o que está claro é que não houve pagamento" e, que, por isso, não lhe parecia "anómala" a referência a default por parte do seu mediador. Refira-se que foi o próprio juiz que decidiu congelar a verba que o governo argentino depositou no banco fiduciário nova-iorquino e proibir a concretização do pagamento aos credores no final de junho e até ao prazo limite do período de graça (30 de julho).

Mas Griesa deu um "doce" e decidiu "libertar" do congelamento que impusera o pagamento dos juros aos agentes europeus Clearstream Banking - com sede no Luxemburgo - e Euroclear Bank - com sede na Bélgica - que, deste modo, poderão receber do Bank of New York Mellon as verbas para depositarem nas contas dos detentores de títulos na zona euro. A representante da J.P. Morgan na audiência requereu ao juiz que clarifique se o seu banco também pode ser abrangido pelo descongelamento, o que ficou para ser analisado.

Foram, de facto, outros - usando a referência do juiz Thomas Griesa - que decidiram avançar com a consideração de que o país sul-americano está em situação de incumprimento.

Para várias agências de notação, o rating é de default, parcial ou seletivo, em relação à dívida argentina em moeda estrangeira. E a Associação de bancos e fundos de investimento que gere o mercado de credit default swaps (derivados financeiros que funcionam como seguro contra o risco de incumprimento, com o acrónimo CDS), conhecida pela sigla ISDA, decidiu, também esta sexta-feira, que ocorreu um "evento de crédito" na Argentina e que, por isso, irá proceder a um leilão dos CDS relacionados com a dívida em incumprimento.

Argentina vai recorrer à SEC americana

O governo argentino reagiu através de um comunicado do Ministério da Economia acusando o juiz de parcialidade e de poder estar a favorecer os fundos litigantes em operações financeiras.

O ministro Axel Kocillof notificou, por isso, a Comissão Nacional de Valores (CNV) para que proceda a uma investigação exaustiva que determine se a sentença do juiz norte-americano não é mais do que "uma fachada de uma manobra especulativa a favor dos fundos abutre, que pretendem ganhar com os títulos em default que compraram por um preço vil, e ao mesmo tempo com os derivados financeiros" que a ISDA vai leiloar ao ter decretado um "evento de crédito" na dívida argentina. O comunicado acrescenta que a CNV argentina, liderada por Alejandro Vanoli, "solicitará à Comissão de Valores dos Estados Unidos - SEC [Security Exchange Commission] - informação precisa sobre as transações com esses títulos no sentido de investigar se os próprios fundos abutre, diretamente ou através de terceiros, obtiveram benefícios desmedidos por não se alcançar um acordo".

A razão das classificações da situação de incumprimento como "parcial" ou "seletiva" deriva do facto do pagamento de juros que não foi concretizado dizer respeito, apenas, a uma determinada linha de obrigações reestruturadas, emitidas em moeda estrangeira, e não ao conjunto da dívida soberana argentina.

Com as reestruturações de dívida realizadas em 2005 e 2010, através de operações de troca de títulos que a esmagadora maioria dos credores aceitou, a nova divida soberana argentina sujeita à reestruturação desceu de mais de 170 mil milhões de dólares para 80,3 mil milhões de dólares fruto das trocas de dívida ("canjes") repartidos pelos títulos "Discount" (38,6 mil milhões de dólares), títulos "Par" (35 mil milhões de dólares) e títulos "Quasi-par" (16,6 mil milhões de dólares), segundo Mario Damill, Roberto Frenkel e Martin Rapetti ("La Deuda Argentina: Historia, Default Y Reestructuración", CEDES, 2005).

A repartição jurisdicional de 54,8 mil milhões de dólares que dizem respeito a dívida na mão de credores privados (não inclui dívida a organismos multitalerais e agências de governos estrangeiros), a que se refere o The Wall Street Journal (edição de 1 de agosto, "Argentine Debt Feud Finds Much Fault, Few Fixes"), é a seguinte: 47,6% dos novos títulos regem-se por lei argentina (ou seja, a maior fatia), 30% por lei do Reino Unido, 21,7% por lei de Nova Iorque (onde corre desde 2012 este processo judicial iniciado por dois fundos abutre), e 0,7% por lei japonesa.

O incumprimento ocorreu dentro da linha de obrigações reestruturadas denominada de "Discount 2033" que tem uma maturidade de 30 anos, paga juros duas vezes ao ano, em final de junho e final de dezembro, e representa o grosso da fatia, com um valor nominal de cerca de 39 mil milhões de dólares.

Uma parte dessas obrigações "Discount" estão sob jurisdição nova-iorquina e foram objeto da sentença do juiz Griesa. No entanto, como a Argentina paga aos detentores de obrigações sob lei britânica e japonesa através de um banco fiduciário sediado nos Estados Unidos, o Bank of New York Mellon, também estes credores em moeda estrangeira (euros e ienes) ficaram afetados pelo congelamento do pagamento dos juros decidido pelo juiz e que abrangeu o banco localizado na jurisdição nova-iorquina. Finalmente, ontem, o juiz Griesa decidiu, a título excecional, levantar o congelamento das verbas a pagar através de agentes no Luxemburgo e na Bélgica por onde transitarão os pagamentos a detentores de títulos na zona euro.

O problema de pagamento de juros com a linha "Discount" volta a colocar-se no final de dezembro.

No final de setembro vence o pagamento de juros relativo a uma outra linha de títulos reestruturados designada por "Par", que tem uma maturidade de 35 anos, envolve 30 mil milhões de dólares em valor nominal, e é denominada em pesos e moeda estrangeira (dólares, euros e ienes) e com várias jurisdições, incluindo a nova-iorquina.