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FMI propõe medidas para crédito às PME europeias

Apesar das várias medidas de política monetária tomadas pelo Banco Centro Europeu, continua a "fragmentação" do mercado de crédito na zona euro.

Os políticos e responsáveis da política monetária da zona euro não se têm cansado de repetir que o mercado financeiro na região está "fragmentado", uma divergência interna que se acentuou desde 2011. Sem o véu do economês, essa palavra quer dizer que os "canais" de crédito para a economia real dos países periféricos do euro, dominada pelas pequenas e médias empresas (PME), não estão a funcionar.

Em termos práticos, as empresas de Espanha, Itália e Portugal têm de pagar taxas de juro pelo crédito que contraem entre 100 a 350 pontos base acima do que pagam as suas colegas alemãs. No caso dos empréstimos às PME em Portugal, o diferencial (spread) é de quase 4 pontos percentuais em média, segundo estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Por isso, o FMI acaba de lançar um conjunto de propostas para que os governos da zona euro lancem iniciativas que dinamizem o crédito às PME. Chama-lhe "diversificação das políticas de crédito para PME" e insere as sugestões no capítulo 2 do seu "Global Financial Stability Report". Num artigo técnico, também, publicado, esta semana, nos Working Papers do Fundo, dois técnicos, Ali Al-Eyd e S. Pelin Berkmen, avançam com um conjunto de sugestões ao Banco Central Europeu (BCE) no sentido de "reparar" o "mecanismo de transmissão" da sua política monetária para a economia real.

Principal efeito da política monetária do BCE

O FMI e os trabalhos de investigação dos seus técnicos têm colocado a nu a discrepância entre o efeito provocado no prémio de risco da dívida soberana e o impacto na economia real derivado das medidas convencionais e não convencionais da política monetária do BCE desde finais de 2011.

Como referem Al-Eyd e Pelin Berkmen, em "Fragmentation and Monetary Policy in the Euro Area" (Working Paper 13/208), o efeito das várias medidas de política monetária "acomodativa" tomadas pelo BCE foi visível na descida significativa do stresse sobre as dívidas soberanas dos periféricos.

Uma vaga que passou por uma descida das taxas diretoras de juros do BCE para mínimos históricos (atualmente em 0,5%), o lançamento de duas operações de LTRO a 36 meses (injeção de liquidez na banca), o anúncio do programa OMT (para o mercado secundário) e a flexibilização da avaliação dos colaterais elegíveis resultou na redução do "risco de redenominação" da moeda em vários membros do euro, ou seja, na diminuição drástica do risco de reversibilidade do euro em várias geografias da zona. Os dois técnicos, olhando para a descida das yields das obrigações soberanas no mercado secundário e do custo dos credit default swaps (seguros contra o risco de incumprimento) no caso dos periféricos, concluem que aquele temor, muito forte em 2011 e em parte de 2012, "saiu da mesa, se não foi mesmo completamente eliminado".

Mas se as dívidas soberanas dos periféricos ganharam, a economia real não. Os dois técnicos do FMI avançam com uma combinação de fatores para que esses benefícios não tenham chegado à economia real (excluindo algumas grandes empresas): custos de financiamento elevados; risco de crédito de famílias e empresas; desalavancagem de bancos e de privados; peso do crédito mal parado na banca; saída de capitais da periferia e redução da exposição da banca alemã e francesa aos periféricos.

O que o BCE pode fazer

Os dois técnicos avançam com quatro propostas-chave para a zona euro:

# Mais medidas para apoiar a liquidez dos bancos mais fracos, com novas LTRO a 36 meses ou mesmo a 5 anos dirigidas a esses bancos;

# Condicionar as LTRO a que o crédito tenha como destinatárias as PME - o FMI aponta o exemplo do esquema do Banco de Inglaterra (Funding for Lending Scheme);

# Compra direta pelo BCE de ativos privados como catalisador da dinâmica do mercado financeiro;

# Reforço do papel do Banco Europeu de Investimento.

Por seu lado, o Global Financial Stability Report avança com um conjunto de propostas, ainda que aconselhando a que se acautele o "risco moral".

Estas propostas avançadas pelo FMI são tanto mais pertinentes quanto Portugal, Grécia, Itália e Espanha registam um fraco crescimento do crédito em quatro dimensões (crédito bancário ao sector privado, crédito total ao sector privado, crédito total às famílias; crédito total a empresas não financeiras). Portugal, Grécia, Irlanda e Itália têm défice em matéria de legislação de apoio financeiro e em medidas dirigidas ao mercado de capitais.

O FMI sublinha que "quando vários mecanismos de amplificação estão em ação, tal como acontece no atual ciclo, a intervenção do governo desempenha um papel claro". O papel da política do governo da Coreia do Sul durante a crise asiática é sublinhado, podendo ser uma fonte de inspiração atual, diz o documento do Fundo.

Algumas sugestões do Fundo:

# Desenvolver os mercados primário e secundário para a titularização dos empréstimos às PME;

# Garantias dos governos para a titularização das PME;

# Encorajar o uso do factoring para as PME;

# Incentivar as grandes empresas a emprestarem aos seus pequenos fornecedores, alterando, nomeadamente, os ciclos de pagamentos;

# Desenvolvimento de "minibonds", como aponta o caso italiano que decretou incentivos fiscais para a emissão de obrigações por empresas não listadas;

# Incentivos fiscais aos bancos que aumentem o crédito a PME;

# Criação de fundos de crédito direto para PME, incluindo financiamento direto por parte de empresas sem problemas, de firmas de capital de risco e de hedge funds.