Há Nápoles-FC Porto em perspetiva e o Expresso falou com Luís Vidigal, que jogou entre 2000 e 2004 no clube italiano, emblema que dizem ser de Maradona. O que se segue são recordações e histórias de uma cidade que vive para um clube.
Como é viver em Nápoles?
Olhe, a primeira impressão não foi a melhor e quando lá cheguei não gostei mesmo nada. É caótica, muito confusa, e isso assusta-nos, sobretudo se estamos habituados a alguma organização. Mas depois disso... ahhh... é fantástico. O clima, os sabores, a comida (a mozzarella bufala só sabe assim em Nápoles!), as pessoas, os napolitanos. E nunca tive problemas, nem senti receios.
E o dialeto?
O dialeto napolitano até é parecido com a nossa língua, mais do que o italiano regular (risos). Nápoles é uma cidade extraordinária, de um clube só, em que toda a gente puxa pelo mesmo. Ainda hoje encontro napolitanos que se chegam ao pé de mim e me abraçam: "Forza Napoli!"
Porque é que a primeira impressão foi assim tão má?
Bom, há uma história por detrás da minha chegada. Eu tinha sido campeão no Sporting, jogado no Euro-2000 e andava a preparar a vidinha: casamento, casa, filhos... De repente, pum!, vou para Nápoles. E acabado de aterrar entrei logo num estágio de três semanas, no meio das montanhas.
Imagino que a sua mulher não tenha gostado...
Quase me pôs as malas à porta (gargalhada). Estou a brincar... Foi difícil, sim, mas hoje rimo-nos bastante do que nos aconteceu. Foi duro. Não estava pronto. E, depois, o Zeman era o treinador.
O Zeman que é conhecido por espremer o físico dos jogadores. Confirma?
Com o Zeman é até à morte. É fazer tudo e mais alguma coisa, sempre a apostar na velocidade, no físico, naquele 4x3x3 vertical. Há quem tenha andamento para isso, há quem não tenha.
O Luís tinha?
Deu para suar um bocadinho (risos). Mas o Edmundo [n.d.r. alcunha "O Animal"] passou-se e muitos outros também.
O Edmundo arranjou problemas?
Tinha uma bela pancada, às vezes parava-lhe o cérebro, tinha o sangue quente e nunca se conseguiu resolver. Berrava e disparatava com toda a gente: treinadores, dirigentes, colegas...
Até consigo?
Não, não. Eu era "O Português", que era assim que ele me chamava. Nunca tive problemas com ele.
Como é jogar no Nápoles?
A cidade tem três televisões com programas desportivos só sobre o clube. Além disso, há vários jornais só com informação sobre futebol. É tudo muito intenso. Mesmo jogando na Serie B [n.d.r. segunda divisão], estamos sempre noutro mundo. Depois, há o fator Itália. Em Portugal, os jovens futebolistas estão habituados a ter quase uma ama-seca que lhes faz tudo o que precisam. Lá, não. A partir do momento em que assinas o contrato estás por tua conta, não tens ninguém ali 24 horas à tua disposição. Se precisas de alguma coisa, fazes. Os responsáveis do Nápoles disseram-me: "Ouça, pode sempre telefonar, mas já é um homem e não vamos aí fazer-lhe isto ou aquilo. Tem dinheiro, não tem? Então pague ao taxista para ir a tal sítio". Tive de crescer rapidamente. Nápoles e Itália fizeram de mim um homem.
E o estádio San Paolo tem uma atmosfera especial. Será difícil para o FC Porto?
Ponho as coisas desta forma: os jogadores do FC Porto vão ter de comunicar entre eles por gestos, porque não vão ouvir nada com o barulho das bancadas. O Nápoles vai ser levado ao colo.