ARQUIVO Desporto - Tribuna

Governo em guerra com Comité Olímpico

O Comité Olímpico Português pediu mais dois milhões para Londres 2012, mas o Governo quer saber onde se gasta o dinheiro e verificar tudo à lupa. O Secretário de Estado do Desporto lamenta palavras de Vicente Moura e mal-estar abre porta a candidatura de Rosa Mota. (Visite o dossiê dos Jogos Olímpicos)

Paulo Paixão, com Martim Silva e João Silvestre, enviado a Pequim

O salto de Nelson Évora não chegou para acalmar o clima de guerra entre o Governo e o Comité Olímpico de Portugal (COP).

Ao Expresso, fonte do Executivo garante que o pedido de €16,8 milhões para o Programa Olímpico de Londres-2012 "não será aprovado" a menos que o organismo liderado por Vicente Moura faça o que não fez até aqui: balanço e avaliação do trabalho desenvolvido e apresentação de um projecto. "Limitaram-se a pedir mais dinheiro". Para o ciclo de Pequim, o Estado atribuiu €15 milhões. A proposta para Londres foi apresentada antes da partida para a China. Uma parte daqueles valores vai para as bolsas aos atletas, que oscilam entre €500 e €1250.

A guerra de números é a ponta do icebergue. O Governo fala de "ausência de liderança" e de "oscilações de opinião" que afectaram a comitiva. A acusação vai para Vicente Moura. Na segunda-feira, o presidente do COP pediu "profissionalismo e brio" a atletas, de cuja falta de educação e cultura se queixou. Após o fracasso de Naide Gomes, declarou que não se recandidataria (o mandato termina no final do ano). Quinta-feira, após o ouro de Évora, mostrou-se disponível para continuar. E ontem completou o "flic-flac" ao dizer que só anunciara a saída para evitar que os "media" atacassem Naide Gomes.

Vicente Moura justificou-se com as "dezenas e dezenas de chamadas e mensagens de telefone, uns 200 "e-mails", dezenas de chamadas não atendidas, apoios generalizados de toda a gente, pessoas de clubes, que não conheço".

Uma vaga de fundo que faz Moura passar a bola para as federações, que "têm a última palavra". Mas "não a qualquer preço", adverte o presidente do COP: "Exijo uma candidatura forte, com capacidade para fazer as mudanças que são necessárias no COP. Sem isso, não ficarei".

"As federações têm de decidir se é este o tipo de liderança que querem", salienta, em resposta, o Governo. Durante os avanços e recuos de Vicente Moura, uma eventual candidatura de Rosa Mota ganhou balanço. Fonte próxima da antiga maratonista recusa comentar tal possibilidade. Em Pequim, a ex-atleta e ex-deputada do PS festejou o ouro de Évora abraçada ao secretário de estado do Desporto, Laurentino Dias.

As declarações de Moura foram as mais notadas, mas outras ajudaram a incendiar o ambiente. Além da Federação com Armas de Caça, caso já noticiado pelo Expresso, igualmente no Remo, na Natação e no Atletismo se sucederam acusações de técnicos excluídos da comitiva, que apontam prejuízo para os seus pupilos. Até Vanessa Fernandes, após conquistar a medalha de prata no triatlo, se desdobrou em reparo a outros atletas, cuja atitude competitiva criticou.

Nuno Fernandes, o ex-saltador à vara que preside à Comissão de Atletas Olímpicos (CAO), desdramatiza. "As comitivas têm quotas, o que obriga a limitações. Percebo a mágoa, mas não dá para irem todos os técnicos". Quanto à onda de críticas, volta a arrefecer os ânimos. "O mal-estar não é de agora. Isso sempre aconteceu e voltará acontecer, pois existem sempre relações pessoais e profissionais, que assim o determinam".

Neste quadro de instabilidade, Laurentino Dias tentou deitar água na fervura, dizendo que "esta missão olímpica foi talvez a mais bem preparada e mais bem apoiada de sempre", mas "isso não significa que tenha de apresentar os melhores resultados de sempre".

Uma coisa parece garantida: no Projecto para os Jogos de Londres não voltará a existir a promessa de medalhas.

Em Pequim, no simples contacto com a imprensa, por exemplo, atletas, treinadores e dirigentes foram confrontados com novos desafios. Nuno Fernandes diz que a elaboração de um "código de conduta" para estes momentos seria uma boa solução, para evitar "coisas ditas a quente, com demasiada descontracção". "Já discutimos isso na Comissão de Atletas, mas não tem sido fácil", acrescenta. "A CAO tenta falar com os atletas, mas em alguns casos surgem-nos os seus agentes. Nas reuniões, só comparecem um quarto ou um quinto dos convocados. E alguns são primas-donas".

O Presidente da Federação de Natação, Paulo Frischknecht, defende uma reforma radical no funcionamento dos planos de preparação olímpica. "Receio que o progressivo aumento de condições não devidamente regulamentadas e responsabilizadas possa ter levado ao aburguesamento de alguns agentes, desde atletas a dirigentes, passando por treinadores". O antigo nadador e treinador - por dentro do mundo olímpico desde há mais de três décadas (foi aos Jogos de Montreal, 1976) -, diz que "é tempo de regulamentar e responsabilizar o usufruto das condições que o país oferece".

- Nos Jogos de Pequim, que amanhã terminam, Portugal estava até ontem à tarde em 41º lugar no ranking das medalhas, com uma de ouro e uma de prata (Vanessa Fernandes, no triatlo)

- O ouro de Évora é apenas o quarto conquistado em 29 Jogos: Carlos Lopes (1984), Rosa Mota (1988) e Fernanda Ribeiro (1996) foram os outros três que ouviram o hino nacional

- Portugal somou até estes Jogos 20 medalhas: 3 de ouro, seis de prata e 11 de bronze

- No atletismo já conquistámos 11 medalhas, na equitação 3, na vela 3 e uma em cada uma destas 5 modalidades: triatlo, ciclismo, judo, esgrima e tiro

- No ranking global das medalhas, ontem à tarde a China continuava destacada em primeiro lugar, com 46 de ouro. Seguiam-se os EUA com 29 e a Grã-Bretanha com 17. Apesar disso, os americanos tinham mais medalhas no total que os chineses: 94 contra 83

- Até ontem, 19 dos 27 países da União Europeia estavam mais bem classificados que Portugal no ranking das medalhas

"De manhã, só é bom na caminha, pelo menos comigo"- MARCO FORTES, lançador do peso, 38º lugar

"A égua entrou em histeria com medo do ecrã" - MIGUEL RALÃO DUARTE, cavaleiro, 47º lugar

"Lutei contra os árbitros" -TELMA MONTEIRO, judoca, 9º lugar

"Não me adaptei àquele lado do campo, onde havia um pouco de vento" - MARCO VASCONCELOS, jogador de badminton, eliminado na primeira partida

"Muitos atletas não têm a noção do que os Jogos Olímpicos significam. Se calhar, têm facilidades a mais. Nunca na minha vida vinha para aqui viajar e ver os Jogos... A alta competição não é uma brincadeira. Isto é como um trabalho" - VANESSA FERNANDES, atleta de triatlo, 2º lugar

"Agora vou de férias. Treinei para os 3 mil metros obstáculos. Não vou aos 5 mil metros. As africanas são fortes. Não vale a pena lutar contra elas" - JESSICA AUGUSTO, atleta de 3 mil metros obstáculos, eliminada

"Entrar neste estádio cheio bloqueou-me um pouco. Acabei a prova fresco, o que é estranho. Mas tem de se aprender com as contrariedades. Eu gosto de aprender. Foi bom ter apanhado aqui este banhozinho, esta tareiazinha, e agora é ir para casa descansar" - ARNALDO ABRANTES, atleta de 200 metros, 52º lugar

"Infelizmente, não sou muito dada a este tipo de competições. Não consigo lidar muito bem com o facto de nestas provas fazermos só três lançamentos. Em Portugal, há sempre seis" - VÂNIA SILVA, lançadora do martelo, 46º lugar

"Estou parva, fiquei sem reacção. Tantos anos de trabalho, nem consigo chorar" - NAIDE GOMES, saltadora em comprimento, eliminada após dois saltos nulos e um terceiro que não atingiu a marca de qualificação

"O quarto lugar para mim não significa nada. Já tinha estado perto do pódio por duas vezes, mas nunca tinha estado tão perto" - GUSTAVO LIMA, velejador em laser, 4º lugar

Artigo publicado na edição impressa do dia 23 de Agosto de 2008, 1º Caderno, página 2.

Jogos Olímpicos 2008