No livro de Adrian Buchan, surfista australiano de 33 anos, um rapaz chamado Macka, que vive no campo, decide fazer uma viagem pela Austrália rural em busca de uma solução para a grave seca que tem vindo a assolar as terras e os rios e a pôr em risco a vida de animais, árvores e plantas em várias regiões do país. Leva consigo Bluey, o seu cão. Pelo caminho, encontra outro rapaz, Yagoona, aborígene, que tem praticamente a sua idade. Macka fala-lhe do seu plano e o rapaz aceita acompanhá-lo. Aventuram-se por lugares que não conhecem e aparentemente inexplorados, e acabam a surfar juntos numa praia no sul da Austrália. A história, apesar de ficcional, remete para um problema real, o das dificuldades que a comunidade indígena continua a enfrentar no país. Por outro lado, esse lugar que é descrito no livro, e que os dois rapazes escolhem para surfar, é real e tradicionalmente ocupado por uma comunidade aborígene. Ace Buchan, como também lhe chamam, lembra-se de em criança ter muita curiosidade por esse lugar. “Sempre achei que era especial”, diz.
Adrian Buchan escreveu esta história quando tinha 12 anos e a pedido de uma professora, e ela foi publicada em livro, em 2009, com o título “Macka's Barrel into the Dreamtime: A Journey in Magic Realism”. Depois disso, passou a ser considerado o tipo mais dotado do circuito mundial de surf, no qual compete desde 2005. Em 2011, a “Surfing Magazine” considerou-o “um dos pensadores mais astutos do tour mundial”. E o site “Encyclopedia of Surfing” refere o seu estatuto de “surfista mais inteligente" do circuito mundial e conta que ele foi 'apanhado' muitas vezes a citar o poeta inglês William Blake em entrevistas e a fazer comentários sobre política e atualidade na sua conta no Twitter. Mas há outros dados que ajudam a compreender toda esta fama: Buchan é filho de um professor de inglês nascido na África do Sul e com um longo passado de viagens pelo mundo, que foi seu professor no último ano da escola secundária e, ao fim de tantos anos, continua a recomendar-lhe livros para ler.
Confrontado com sua própria reputação e com o facto de a sua biografia se distinguir das restantes por causa da sua suposta inteligência, Buchan diz que “sempre houve a ideia de que os surfistas não eram muito interessantes ou inteligentes ou que apenas se dedicavam ao surf e não a outros assuntos, mas que isso está a mudar”. “Todos os surfistas que competem no circuito mundial de surf são interessantes e todos têm uma história para contar. Há atletas de todas as partes do mundo, com histórias de vida incríveis. O Jadson, por exemplo [Jadson André, brasileiro], cresceu numa favela e agora é um surfista profissional que compete no 'tour'; há surfistas que vieram do Taiti, de aldeias incrivelmente pequenas; surfistas que vieram da Austrália e outros que são portugueses”, diz Buchan. E acrescenta que se os jornalistas querem ter “boas respostas”, que não envolvam apenas surf, resultados ou mexericos entre atletas, têm de "fazer as perguntas certas”. É preciso perguntar aos surfistas de onde é que eles vieram, onde e como cresceram, que atividades gostam de fazer além de surfar e que interesses têm, exemplifica.
“Macka's Barrel into the Dreamtime: A Journey in Magic Realism” foi o único livro que Adrian Buchan escreveu e não sabe quando vai escrever o próximo. Com o surf e a filha (Ruby, de um ano e meio, que se aproxima aos passinhos e a agarrar-se às cadeiras, e se junta à nossa conversa com muita curiosidade e pouca vontade de ir fazer uma “nap", como dá a entender ao pai), sobra pouco tempo para o resto. Diz que talvez volte à escrita nos próximos três anos ou então quando deixar o surf. “Gosto muito de escrever e sei que voltarei a fazê-lo em breve, apesar de não saber quando”. Já num tom mais descontraído, de quem está realmente contente por estar num restaurante em Peniche, perto da praia, acompanhado pela família e amigos, Adrian Buchan volta a dizer que campeonatos mundiais de surf são “verdadeiramente interessantes”. “Conhecemos lugares muito diferentes, desde as praias da Califórnia, nessas cidades loucas e gigantes, às do Taiti, que parecem não ser mais do que um conjunto de barcos a flutuar no oceano”.