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Traficante vigiava PJ e tinha lista de carros dos polícias

Investigação à rede de Franclim Pereira Lobo durou mais de um ano e teve meios extraordinários.

Franclim Pereira Lobo, apontado pelas autoridades como um dos maiores traficantes portugueses, foi preso na noite de terça-feira, 3 de Março, no centro de Lisboa, por suspeita de tráfico de estupefacientes e associação criminosa. Não reagiu nem tentou fugir. Rodeado por inspectores, o homem, de 53 anos, que há anos se diz inocente e perseguido pela polícia, manteve-se sempre calmo e educado. Mas no bolso do casaco trazia uma folha manuscrita com as matrículas de dezenas de carros da unidade da PJ que investiga o tráfico de droga. Na mesma noite, foram também detidos o filho e um colaborador directo de Franclim, numa investigação de contornos inéditos.

Segundo apurou o Expresso junto de fonte policial, a existência da folha com as matrículas - algumas das quais de carros de moradores da Avenida Duque de Loulé, em Lisboa, vizinhos da PJ - é encarada pelas autoridades com muita cautela. "Os dados foram recolhidos por alguém que esteve no local mais do que um dia, em autêntica acção de vigilância", adianta a fonte. Foi uma surpresa ao fim de ano e meio de investigação. "Era uma rede bem organizada, e os principais responsáveis tinham todos os cuidados", refere o mesmo elemento.

Para a polícia, a cúpula da rede era formada por Franclim, o filho e o colaborador. Trocavam de telemóvel com frequência, eram cuidadosos com as conversas e, à mínima suspeita, interrompiam todos os contactos e desapareciam. Foi o que aconteceu em Julho do ano passado, quando a PSP detectou um elemento da PJ a trabalhar para um detective privado. Numa conversa entre ambos, o inspector, do Departamento Central de Prevenção e Apoio Tecnológico da PJ (especialistas em vigilâncias), tentava explicar ao detective porque tinha falhado um serviço, alegando que não tivera tempo por estar a vigiar Franclim. "Mas esse detective conhecia Franclim e chegou mesmo a visitá-lo na prisão", refere uma fonte da PJ.

Dias depois, Franclim deixou Portugal e instalou-se no sul de Espanha. "Houve algum receio de que não voltasse". A PJ estava a trabalhar há cerca de cinco meses de uma forma pouco usual. "Adoptou-se uma estratégia comum noutros países mas pouco frequente em Portugal: a investigação dos mais altos responsáveis nas redes de tráfico por longos períodos de tempo", explica outro elemento policial.

Cocaína no aeroporto

Uma das primeiras acções da PJ, em Fevereiro de 2008, mesmo falhando o alvo principal, levou à prisão de seis pessoas no aeroporto de Lisboa e à apreensão de dinheiro e 12,5 quilos de cocaína. Entre os detidos, suspeitos de integrarem uma das redes mais activas na introdução de cocaína em Portugal por via área, em malas de viagem, estava um funcionário da alfândega do aeroporto de Lisboa. Franclim, apesar de manter contactos com um dos líderes dessa rede, passou incólume.

O processo do aeroporto permitiu à PJ abrir três novas frentes de investigação: uma para Franclim e duas para células da rede, em Santarém e em Lisboa.

Em Julho, a fuga do líder para Espanha coincidiu com a detenção, em Aveiras de Cima, de um operacional na posse de cerca de um quilo de haxixe, droga fornecida pela rede de Franclim. A PJ trabalhava com uma equipa reduzida, mas com todos os meios ao seu dispor. Para alguns sectores policiais, esta detenção era uma "questão de honra".

Há dois anos, Franclim tinha saído do Tribunal da Boa-Hora um homem livre, deixando para trás uma longa história com a Justiça. Em 2000, foi condenado à revelia a 25 anos de prisão. Tinha desaparecido depois de escapar de um hotel no centro de Lisboa, onde estava à guarda da PJ. Mas esse julgamento, anulado devido a um erro numa notificação, foi repetido em Junho de 2007 e Franclim absolvido de todas as acusações. Pelo meio, ainda foi preso duas vezes, no Brasil e em Espanha.

À detenção em Aveiras de Cima seguiram-se outras duas. Em Dezembro, é desmantelada a célula de Santarém: quatro detidos, dois quilos de haxixe, meio quilo de cocaína e outro tanto de heroína. Em Janeiro deste ano, é preso, por posse de cocaína, um elemento da célula de Lisboa. A malha estava a apertar, e a PJ, consciente de que a rede de Franclim abastecia várias zonas de Portugal, intensifica o trabalho.

Ligação a Inglaterra

Dias depois, já em Fevereiro, a equipa da PJ é surpreendida por uma estranha viagem de carro. Um Audi A3, ligado ao grupo, estava a sair de Portugal sem destino certo. Com base em informações recolhidas nas horas seguintes, os inspectores concluíram que a viatura seguia para Inglaterra, carregada de droga, por ordem do filho de Franclim. A polícia inglesa foi alertada e encontrou no Audi 15 quilos de haxixe.

Apesar dos sucessivos contratempos, a actividade da rede não abranda. Também em Fevereiro, no Porto, a PJ prende um homem na posse de 19,5 quilos de haxixe, que lhe terão sido entregues pelo próprio Franclim. "Existe muitas vezes a ideia, errada, de que os responsáveis máximos das redes não contactam com a droga", sublinha fonte da PJ.

Na noite de 3 de Março, a PJ decide avançar para a detenção, fora de flagrante delito, dos três principais responsáveis da rede. Franclim e o colaborador foram apanhados juntos na zona da Alameda, no centro de Lisboa, pelas 20h00. À mesma hora, em Massamá, os inspectores deram voz de prisão ao filho de Franclim. Em tribunal, no primeiro interrogatório, o juiz Carlos Alexandre foi mais brando com o colaborador, mas não poupou Franclim e o filho. Ambos recolheram em prisão preventiva para a ala F do Estabelecimento Prisional de Lisboa.

Nome Franclim Pereira Lobo

Idade 53 anos

Processos Em 2000, foi condenado, à revelia, a 25 anos de prisão. Sete anos depois,em Junho de 2007, o julgamento foi repetido, devido a um erro processual, e Franclim foi absolvido. Em Maio de 2008, foi novamente absolvido, também na Boa-Hora, num processo de branqueamento de capitais.

Relação com a PJ Em 1999, fugiu de um hotel onde estava guardado pela PJ. Foi apanhado em Abril de 2004, no sul de Espanha, onde tinha investido em imobiliário. Um habeas corpus libertou-o, e Franclim voou para o Brasil. Foi preso em Janeiro de 2005. Saiu, foi julgado em 2007 e absolvido.

37

quilos de haxixe foram apreendidos pela PJ no decurso da operação que culminou com a detenção de Franclim Lobo

1400

são as páginas do processo que começou no início de 2008; os membros da rede desmantelada são suspeitos dos crimes de tráfico de droga e associação criminosa

11

pessoas foram detidas desde o início da investigação da PJ

Texto publicado na edição do Expresso de 14 de Março de 2009