Atualidade / Arquivo

Portugal foi ponto de encontro para a CIA

André Le Gallo viveu como oficial da CIA durante 33 anos, fazendo treino paramilitar e recrutamento em vários países. Ao Expresso, revelou ter parado algumas vezes em Portugal, onde teve encontros com agentes infiltrados no leste europeu.

Ricardo Lourenço, correspondente nos EUA (www.expresso.pt)

Portugal foi uma das dezenas de paragens de André Le Gallo, o oficial da CIA que durante 33 anos calcorreou o mundo. Treino militar e recrutamento de agentes eram a sua especialidade, embora acabasse sempre por fazer "um pouco de tudo", diz ao Expresso em plena viagem do Spycruise (cruzeiro de espiões) pelo Mar das Caraíbas.

Parco nas palavras sobre o teor das viagens até Lisboa, o veterano revela apenas que a capital portuguesa era um dos bons sítios na Europa para se encontrar com os agentes infiltrados nos países do leste europeu. Questionado se teve alguma reunião com as autoridades portuguesas, André Le Gallo responde: "Não posso dizer. Está a querer saber de mais".

Combate ao comunismo

André Le Gallo teve a sua primeira missão aos 22 anos, na selva do Laos, onde treinou elementos da tribo Meo, que na altura eram fundamentais para estancar o comunismo na região e bloquear as linhas de abastecimento aos militares vietcongues.

Depois de um ano de missão, regressa a Washington e casa-se, mas nem assim a aventura parou. Pelo contrário.

Teerão em chamas

No final da década de 1970, André Le Gallo estava em Teerão onde recrutava agentes iranianos. "Com o fim do regime do Xá à vista, comunistas e radicais islâmicos começaram a preparar-se para assaltar o poder. Havia manifestações todas as noites, tiroteios e mortes", recorda.

O ambiente explosivo na capital iraniana não era o melhor para os três filhos e a mulher, que tinham acompanhado André Le Gallo até Teerão. O casal esforçava-se por manter as aparências, para que os mais novos não se apercebessem da gravidade da situação.

"A minha mulher trazia sempre objectos da família para decorar a casa em Teerão. Não queríamos que os miúdos estranhassem o ambiente. Até comprámos equipamento de hóquei no gelo para o nosso filho. Nas manhãs em que ele tinha treino, a minha mulher levava-o até ao palácio do gelo, fintando montanhas de pneus em chamas, resquícios das manifestações nocturnas".

A experiência permite-lhe ter uma visão privilegiada sobre a segurança internacional e a luta contra o terrorismo global. "Esqueçam a ideia de fazer do Afeganistão um país, porque tal nunca aconteceu. A solidariedade é tribal, não é nacional. Nacionalidade é um conceito estranho naquelas paragens. Em certa medida, faz-me lembrar a situação do Laos durante a guerra do Vietname", opina

Cruzeiro de espiões

O Expresso entrevistou André Le Gallo a bordo do SpyCruise, um cruzeiro no Mar das Caraíbas que termina amanhã e que junta dezenas de 'espiões' americanos. A iniciativa é da Universidade Henley-Putnam e visa  promover o debate sobre a ameaça do terrorismo, partindo das experiências no terreno de vários agentes de topo da administração americana.

Entre as individualidades contam-se Michael  Hayden e Porter Goss, dois ex-directores da CIA.

O Expresso online publicou durante toda a semana crónicas diárias sobre a iniciativa e, na edição impressa de 27 de novembro, publicará uma reportagem alargada, acompanhada de duas entrevistas exclusivas a Michael Hayden e Porter Goss.