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PJ descobre falsos desenhos de Cunhal

Falsária. Desenhos feitos na prisão pelo dirigente comunista e obras de outros autores iam ser vendidos.

Valdemar Cruz (www.expresso.pt)

Polícia Judiciária deteve uma mulher que falsificou desenhos de Álvaro Cunhal. Trata-se de imitações dos célebres "Desenhos da Prisão", publicados em álbum pela editorial Avante! no final de 1975. As falsificações iam ser vendidas no mercado de arte.

Iniciada há dois anos, esta é uma das raras investigações no campo da falsificação de obras de arte em que a polícia chega ao ponto de conseguir identificar o presumível autor da fraude. A PJ valoriza esta situação porque, como disse ao Expresso um dos investigadores, "o mais comum é tudo esbarrar no muro de silêncio imposto por um meio pequeno e fechado". Os indícios reunidos permitem concluir que a suspeita, já constituída arguida, seja também a autora de vários trabalhos atribuídos a Júlio Pomar e Almada Negreiros. Na mesma investigação, a PJ detectou falsificações de trabalhos de Costa Pinheiro e Álvaro Lapa, mas não foi possível chegar ao autor.

Os desenhos originais de Álvaro Cunhal, guardados na sede do PCP e raramente expostos, foram feitos entre 1951 e 1959, numa cela da Penitenciária de Lisboa, onde esteve preso durante oito anos em regime de isolamento, e no Forte de Peniche, de onde se evadiu em 3 Janeiro de 1960, na que terá sido a mais espectacular fuga de presos políticos durante a ditadura de Oliveira Salazar.

Em alguns casos foi possível fazer sair os desenhos da prisão, mas há outros cujo paradeiro continua a ser desconhecido. Os desenhos falsificados constituem cópias de algumas das gravuras integrantes do álbum posto à venda em 1975. Reproduziam-se ali os originais, feitos a grafite ou carvão sobre papel, que tinham chegado à família de Cunhal e outros recuperados das prisões após o 25 de Abril de 1974.

Cópias de boa qualidade

Na passada semana, e na sequência das averiguações desencadeadas a propósito do aparecimento em Maio, num leilão em Lisboa, de um conjunto de quadros falsos atribuídos a Costa Pinheiro e Álvaro Lapa, a PJ apreendeu outros quadros falsificados com as assinaturas daqueles dois pintores. As telas estavam na posse de particulares e faziam parte de um negócio em vias de concretização com profissionais do sector.

Este processo foi o último a agitar o mundo português da arte, até pela novidade e notoriedade dos nomes envolvidos. João Oliveira, coordenador de investigação criminal da PJ, assegurou ao Expresso que artistas como Costa Pinheiro, Álvaro Lapa ou René Bertholo não estavam referenciados no circuito dos falsos.

A intervenção da PJ em Maio, na leiloeira Sala Branca, ficou a dever-se a uma solicitação de Helma Voss Hellig, viúva de René Bertholo, e de um filho de Álvaro Lapa.

Na altura, e antes de começar o leilão, foram apreendidos três quadros daqueles dois pintores, oriundos da Galeria Nasoni, do Porto, tal como uma tela de Costa Pinheiro, que entretanto fora já vendida. Todos os protagonistas da história têm estado a ser chamados a prestar declarações pela PJ.

Embora o destaque maior vá sempre para as falsificações na pintura, João Oliveira chama a atenção para a circunstância de o desenho ser "muito propenso à falsificação". Além disso, o valor de mercado não é tão elevado como o dos quadros a óleo ou acrílico, o que, acrescenta o investigador, "torna mais fácil a venda, mesmo se não proporciona margens de lucro tão elevadas".

A arguida no caso dos desenhos falsos de Álvaro Cunhal confirma o perfil do falsificador feito por João Oliveira quando diz tratar-se, em regra, de "pessoa com ligações ao meio e competência técnica, mas quase sempre com grandes debilidades ao nível da expressividade".

Também é verdade, no entanto, que a polícia já tem encontrado "falsificadores tão bons como alguns pintores que pretendem copiar". Daí as situações, não tão raras como possa pensar-se, de quadros cuja autenticidade suscita dúvidas irresolúveis. Há casos, prossegue o coordenador de investigação da PJ, "em que até hoje não sabemos se são falsos ou verdadeiros. Nas situações de dúvida, as obras são devolvidas aos seus proprietários".

Texto publicado na edição do Expresso de 17 de Outubro de 2009