O Brasil mantém-se interessado em investir em Portugal?
Absolutamente. Queremos aumentar o número de empresas brasileiras em Portugal, aproveitando a atratividade que é a descida do valor dos ativos. É a hora de investir. Nas privatizações, em princípio vamos participar em todas. A EDP não deu certo, mas vamos à ANA, TAP, correios, construção naval, hospitais e seguros da Caixa Geral de Depósitos, onde até já foi pré-selecionado o grupo AMIL.
A TAP é o dossiê mais complexo...
Sim. Não há nenhuma empresa estatal brasileira, o que limita o Governo, que só pode incentivar as empresas a participar na licitação. Porém, o Governo brasileiro tem-no feito, tal como o chileno, devido à fusão da LAM com a TAM, que deu origem à companhia aérea LATAM.
Não comprar a TAP seria perder uma oportunidade?
Não se fala apenas da LATAM. Há outros grupos, não necessariamente do sector dos transportes aéreos, que podem estar interessados. Há um grupo financeiramente poderoso interessado. Não é um consórcio, mas pode vir a sê-lo no Brasil, ou mesmo com outras empresas de fora, da região, europeias ou mesmo portuguesas. O interesse é para comprar toda a TAP ou pelo menos deter o controlo. Tenham em mente que a TAP pertence a uma aliança, a Star Alliance.
Um embaixador a toda a prova
Portugal não é um território desconhecido para o embaixador Mário Vilalva. Há 20 anos, já tendo percorrido capitais tão importantes como Washington, Pretória ou Roma, aporta em Lisboa, como conselheiro para a área económica da embaixada do Brasil, antes de seguir depois para Boston e Chile. Os conhecimentos e relações da época terão sido preciosos para esta segunda estada em Lisboa, a partir de 2010, num Portugal já muito mudado e sobretudo angustiado pelas agruras da intervenção financeira - e que olha para o Brasil, o 'irmão' que se transformou em potência, em busca de auxílio mas também desconfiado. Como tantas vezes na História, os portugueses demandam de novo o Brasil. Mário Vilalva maneja surpreendentemente bem os dossiês económicos. Não por acaso: no final dos 90, foi secretário de Estado do Planeamento (Governo de Fernando Henrique Cardoso), e diretor-geral para a Promoção Comercial no Ministério de Relações Exteriores (com Lula). Competências valiosas para os tempos que correm. Também aqui.
O que impede um pouco a LATAM de concorrer...Pode criar algum constrangimento. Mas há outra empresa no Brasil, a Gol, que é da Star Alliance. A Gol poderia entrar na privatização da TAP? Sozinha ou com outros grupos? É uma possibilidade. No fundo, há um grupo brasileiro que não tem nada que ver com o sector, existe a Gol, que tem a ver, e que pode fazer uma associação com outro grupo. Já pensaram na Gol e na Avianca, cujo controlador é um brasileiro?
A ANA será um dossiê tratado separadamente?
Sim. Mas há sinergias. Quem se interessa pela ANA (a CCR, empresa participada pela Camargo Corrêa, está a preparar-se para essa licitação) quer saber o que acontece com a TAP. Será o Governo português a medir os timings das privatizações. A manutenção do hub em Lisboa é fundamental e há uma convergência clara dos interesses estratégicos dos dois governos.
Manter o hub em Portugal é importante para o Brasil?
Muito. Queremos que esse hub continue a falar português. Claro que a África que fala português está na mesma linha de interesse estratégico.
Ao Brasil não interessa que seja a Ibéria a comprar a TAP.
Vamos pôr de outra maneira. Queremos a reafirmação da nossa língua no mundo, temos a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), porque não ter eixos aéreos?
O investimento brasileiro também está a ser canalizado para as pequenas e médias empresas (PME)?
Há interesse em vários sectores. Há, por exemplo, bancos interessados em financiar operações das PME. O facto de grandes empresas brasileiras estarem a vir para Portugal trará as pequenas como suas fornecedoras, que assim entram no mercado.
Portugal é um mercado pequeno e deprimido, porque é que vos interessa?
Portugal não é a porta, mas uma porta de entrada no mercado europeu. O Brasil tem relações comerciais com todos os países da Europa. Portugal tem a mais-valia da língua, e do jeito de ser e de fazer negócios.
O Brasil precisa de 20 mil engenheiros e está a dar bolsas a 100 mil pessoas.
É um investimento de três mil milhões de dólares, entre 2011 e 2015. Vai haver um aumento de bolseiros em Portugal, que vêm para as áreas técnicas (medicina, biotecnologia, engenharia). A Presidente Dilma está muito empenhada em que haja mais cooperação ao nível universitário, que incluirá a ida para o Brasil por um período de tempo de doutorados portugueses.
O ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal, que decorrerá entre setembro e junho, vai trazer novidades?
Haverá iniciativas e não apenas culturais. Vamos lançar um guia de investimentos e um guia de compras, em conjunto com a Câmara de Lisboa. Os brasileiros estão a viajar e a gastar muito dinheiro. Lisboa está muito competitiva e oferece língua, ótima gastronomia e história. O interesse dos brasileiros por Portugal tem vindo a aumentar desde os festejos do bicentenário da chegada da família real ao Brasil. O brasileiro gosta de comprar Lameirinho, Vista Alegre, Bordalo Pinheiro, roupa... O facto de a TAP viajar em voos diretos para dez cidades brasileiras e o novo interesse pela afinidade histórica é uma onda que tem de ser aproveitada.
E há os novos emigrantes portugueses...
É um elemento de enorme riqueza na nossa relação, que se repete na nossa história. Antes olhávamos para isto com alguma desconfiança. Agora é um elemento de alegria. Está mais que provado que a emigração é diversidade e dinamiza a economia. Vivemos um momento mágico das relações bilaterais, os governos têm de aproveitar para investir o máximo neste momento.
Mas o exemplo da Cimpor, a primeira grande empresa comprada por brasileiros, que vai ser desmantelada, não pode criar alguma desconfiança?
Não posso falar por eles, e desconheço o projeto a longo prazo. Mas não acho que desincentive os investimentos brasileiros. A Embraer é um belíssimo investimento, a fábrica arranca agora e tem um efeito multiplicador, cria um cluster aeronáutico. Uma coisa é investir no cimento, outra em tecnologia. O ministro do Desenvolvimento, que inaugurará em setembro a fábrica, vai ter conversações com o ministro da Economia português, mas também com líderes patronais e os principais gestores. A conversa não vai ser sobre comprar e vender, mas sim sobre estratégia e o que queremos da nossa relação no futuro.
O Brasil não comprou a EDP e a China acabou por entrar no Brasil via EDP. Isso não cria 'urticária'?
A China quer entrar no Brasil e entra porque a EDP tem investimentos lá. Não cria 'urticária' na medida em que os investimentos em áreas estratégicas estejam equilibrados. Se entendermos que os investimentos visam o controlo, não. É como tirar recursos naturais que são fundamentais para um país e passá-los para outro. Não faz sentido.