António Lobo Antunes é o nono escritor português a ganhar o Prémio Camões (no valor de cem mil euros) desde que em 1988 este foi instituído por Portugal e pelo Brasil como prémio alargado a todos os países de língua portuguesa. A decisão foi anunciada quarta-feira, no Rio de Janeiro, por um júri constituído por Domício Proença Filho (Brasil), Fernando J. B. Martinho (Portugal), Francisco Noa (Moçambique), João Melo (Angola) e Letícia Malard (Brasil).
No percurso do romancista não faltam importantes prémios nacionais e internacionais. Os últimos foram o Prémio Jerusalém, em 2005, e o Prémio Ibero-Americano de Letras José Donoso. Esta reiterada consagração tem acompanhado a difusão internacional dos romances de Lobo Antunes, traduzidos em muitas línguas. Foi, aliás, por via de uma entusiástica recepção crítica no estrangeiro (num momento inicial, ainda nos anos 80, a França - e o editor Christian Bourgois - tiveram um papel importante) que o escritor viu acrescentado o reconhecimento em Portugal.
Desde 1979, ano em que publicou o seu romance de estreia, Memória de Elefante, Lobo Antunes publicou quase três dezenas de títulos. A esta imensa produção corresponde uma imagem que o escritor, nas entrevistas, criou de si: a do indivíduo inteiramente consagrado à escrita, fechando-se ao mundo e investindo na sua tarefa o esforço e o tempo de uma vida. Daí, uma ideia complementar desta imagem: a do escritor possuído pelo seu «daimon», conduzido por uma força que lhe é exterior, soberana, e que ele não controla.
A criação de uma imagem forte, polémica, oscilando entre a pose da ingenuidade e a da afectação megalómana, marcou desde o início o discurso do escritor sobre si, a sua obra e o meio literário. Numa primeira fase, aquela em que o escritor surgiu como «enfant terrible» (na primeira metade dos anos 80), esse discurso não foi completamente indiferente à recepção crítica da sua obra.
Da truculência ao gosto pela «boutade», as entrevistas de Lobo Antunes mostraram sempre uma personagem que vai criando sucessivas representações de si, enquanto escritor.
O aspecto torrencial e grandioso dos seus últimos romances - o mais recente Ontem Não Te Vi em Babilónia, publicado em Outubro do ano passado -, o completo abandono da linearidade da narrativa e da continuidade da intriga correspondem a uma fase da obra do escritor completamente diferente daquilo que eram os seus primeiros romances, dos quais, aliás, Lobo Antunes fala hoje com uma enorme distância. A experiência pessoal, que era a matéria desses primeiros romances (nomeadamente a experiência da guerra colonial, em Angola, para onde o autor foi mobilizado aos 29 anos), deu lugar, nesta última fase, a um complexo concerto de vozes que recitam as suas histórias.
Mas Lobo Antunes é também, numa fase intermédia, o escritor de uma realidade portuguesa, onde a referência à história nacional, na sua dimensão épica, se cruza com as representações da vida banal de personagens que fazem parte de uma realidade suburbana carregada, muitas vezes, de traços sórdidos. Esta capacidade de imersão no quotidiano, dando-lhe uma dimensão universal, é um dos aspectos mais celebrados da arte do romance de Lobo Antunes.
* Nascido em Lisboa, em 1 de Setembro de 1942 Obra * Memória de Elefante (1979) Prémios literários * Prémio Franco-Português, 1987 («Cus de Judas») |