"Nunca se pede à família que assine um papel para que a equipa médica desligue as máquinas a um doente com o diagnóstico clínico de morte cerebral", garante ao Expresso o presidente do Colégio da Subespecialidade de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos e do Colégio Europeu de Cuidados Intensivos, Rui Moreno.
A propósito da suposta morte cerebral em que se encontrará o cantor Angélico, o especialista explica que "a morte cerebral é um diagnóstico como qualquer outro em Medicina e que, inclusive, está regulamentado na Lei Geral".Aliás, Rui Moreno alerta: "Perante a lei portuguesa, quando os médicos fazem o diagnóstico de morte cerebral, a pessoa passa a ser cadáver e qualquer manobra clínica, como o suporte artificial de vida, passa a ser crime de profanação de cadáver".
Rui Moreno diz ainda que o envolvimento dos familiares pode acontecer, sim, quando a vítima é um potencial dador de órgãos.
"A legislação não obriga a consultar a família, porque em Portugal vigora o consentimento presumido - isto é, todos somos potenciais dadores exceto quando tenhamos manifestado o contrário através da inscrição no Registo Nacional de Não Dadores - , mas, culturalmente, fazemo-lo e raramente se vai contra a sua vontade", adianta Rui Moreno.
Diagnóstico de morte cerebral
- Saber por que razão o doente está em coma (sem reação a qualquer estímulo) e ter a certeza de que não foi induzido por fármacos ou outras substâncias
- Realizar um conjunto de provas (cerca de dez) para verificar se o tronco cerebral - que controla as funções mais básicas - está a funcionar
- Se os testes realizados mostram que não há resposta, é declarada a morte cerebral
- A morte cerebral é atestada por dois médicos especialistas em Neurologia, Neurocirurgia ou com experiência em Cuidados Intensivos e um dos clínicos não pode pertencer ao serviço onde o doente está internado
- As provas para comprovar a inatividade do tronco cerebral são repetidas conforme a idade do doente, geralmente, ao fim de duas a quatro horas num adulto
- Caso uma das provas não tenha sido possível de realizar ou seja inconclusiva, são feitos meios complementares de diagnóstico para determinar se há circulação ou atividade elétrica no cérebro, injetando um contraste. Em caso de morte cerebral, a pressão no interior do crânio é superior à do exterior e o contraste não será visível no tronco cerebral nem no encéfalo (o cérebro propriamente dito)
- Confirmada a morte cerebral, os dois médicos desligam o suporte de vida, no caso a ventilação. A quantidade de oxigénio irá, então, diminuir na interior nas células e os órgãos param. O processo demora perto de cinco minutos.
1 Coma
Há perda total dos sentidos e da consciência e a vida é mantida artificialmente. O doente está num sono permanente, com os olhos sempre fechados, e é incapaz de executar ordens como mexer os dedos- apesar de poderem existir reflexos não intencionais. O coma tem vários graus, o mais grave é semelhante a estar-se sob anestesia geral, e um limite de quatro semanas. Pode evoluir para a morte, estado vegetativo ou para a recuperação
2 Vegetativo
O doente não tem consciência de si nem do meio, mas consegue manter-se vivo, por exemplo respirando naturalmente, porque o tronco cerebral funciona. O sono tem momentos de vigília, em que os olhos abrem, mas não há nenhuma reacção a estímulos, mesmos dolorosos
3 Consciência mínima
Existe alguma autoconsciência e interacção. O doente é capaz de reagir com sim/não, riso/choro, fixar ou seguir luzes com os olhos e segurar ou usar objectos intencionalmente. Pode sentir-se dor, fome e sede
4 Mutismo acinético
É uma síndroma rara. A consciência está intacta, mas não há movimentos corporais. O doente pode fazer perseguições visuais sustentadas, embora o discurso seja quase nulo
5 "Locked-in"
A consciência e cognição são mantidas. Lesões no tronco cerebral provocam a paralisia quase total e limitam a comunicação aos movimentos dos olhos
Se o doente for um potencial dador de órgãos, antes de desligarem o ventilador os médicos cumprem vários passos:
- Enviam um fax para um juiz, que está disponível 24 horas por dia, que irá consultar o Registo Nacional de Não Dadores e verificar se o doente está ou não inscrito
- O juiz responde; caso não conste nada na base de dados sobre aquele doente, a equipa médica informa a família sobre a intenção de recolher órgãos
- Perante a aceitação dos familiares, o doente é levado para o bloco operatório e os órgãos são recolhidos.
1 Os familiares do doente internado na Unidade de Cuidados Intensivos são informados de que o parente está em morte cerebral e há a hipótese de ser dador de órgãos
2 Seis horas após o diagnóstico, um neurologista, intensivista ou anestesista confirmam a morte cerebral com um exame de estímulos. Em caso de dúvida, recorre-se, por exemplo, à angiografia cerebral, injectando um contraste - que num cérebro morto não vai além das veias do pescoço
3 O ventilador é desligado e o doente levado para o bloco operatório. Como em qualquer cirurgia, a extracção dos órgãos é feita com o coração a bater