Se depender do ministro da Justiça espanhol, Mariano Fernandez Bermejo, os juízes poderão vir a obrigar os pedófilos a submeterem-se a tratamentos de "inibição do desejo sexual", ou seja, à castração química.
Numa entrevista publicada hoje no diário espanhol 'Expansión', Mariano Bermejo admite a castração química obrigatória para pessoas que tenham cumprido pena por abuso sexual de menores. O ministro da Justiça defende que tratamento siga critérios médicos e seja aplicado no caso de os visados continuarem a ser considerados perigosos para a sociedade.
Justiça digital
"Estamos a falar de criar mecanismos legais para que os médicos possam aplicar o tratamento conveniente a cada pedófilo. Não gosto de falar em castração química, porque isso induz a erro, mas há medicamentos que inibem o desejo sexual e que fazem efeito em algumas pessoas", disse Bermejo.
Mariano Bermejo admitiu, também, que a Justiça espanhola sofre de "um grave problema, de lentidão, devido a estruturas e métodos de trabalho do século XIX". A solução, defende, está na " Justiça digital, em comunicar-se como se comunica todo o mundo: através da informática".
No livro 'Minorias Eróticas e Agressores sexuais", o psiquiatra Afonso de Albuquerque afirma que as hormonas antiandrogénicas mantêm-se como o tratamento de primeira escolha para pedófilos violentos e reincidentes. O efeito mantém-se enquanto for administrado o medicamento, e a duração do tratamento pode ir até vários anos.
Segundo este psiquiatra português, há poucos dados que permitam afirmar que as parafilias (entre as quais a pedofilia) são curáveis, e que podem ser substituídas permanentemente por uma orientação sexual normal. Pelo que, os objectivos do tratamento são a diminuição dos desejos sexuais por crianças.
Comparável à castração dos testículos
O tratamento com hormonas antiandrogénios leva à diminuição das hormonas masculinas ( testosterona e a di-hidrotestosterona), o que é comparável com o efeito da castração cirúrgica dos testículos. O resultado é facilmente medido através de análises ao sangue, permitindo ao clínico um melhor controlo da eficácia do tratamento.
Recorde-se que a testosterona, indispensável para o comportamento sexual masculino, é produzida pelos testículos e na gordura subcutânea e vai actuar nos seus receptores, que se encontram não apenas no cérebro, como na espinal medula e no pénis. Afonso de Albuquerque afirma que a castração química baseia-se na concepção do sexo como um impulso biológico, pelo que a administração de um medicamento pode reduzir o comportamento pedófilo, dado produzir uma diminuição do desejo, das fantasias e da excitação fisiológica.
Resultados optimistas
Várias substâncias químicas têm sido utilizadas para este efeito, com acentuada eficácia, diz o psiquiatra. A mais utilizada nos EUA é a Depo-Provera (injectável), utilizada como anticonceptivo na mulher. No entanto, produz efeitos secundários com alguma gravidade e tem vindo a ser substituída tanto na Europa como no Canadá por outras substâncias com acção farmacológica diferente.
A principal dessas substâncias é a ciproterona (Androcur), não aprovada nos EUA, que apresenta muito menos efeitos secundários, porque bloqueia a acção da testosterona ao nível dos seus receptores.
Segundo Afonso de Albuquerque, cerca de 2 a 4 semanas após o início do tratamento com ciproterona oral ou injectável surge uma diminuição acentuada das fantasias sexuais, do desejo, das erecções e do comportamento pedófilo, que se mantém enquanto for administrado o medicamento.
Estudos realizados em 1999 pela Associação Psiquiátrica Americana são claramente optimistas quanto aos resultados do tratamento com ciproterona aos agressores sexuais. Ao fim de uma média de três anos de tratamento, a taxa de sucesso é de 100%. De acordo com Afonso de Albuquerque, a combinação da psicoterapia e dos medicamentos constitui o tratamento mais eficaz para os pedófilos. "Mas, surpreendentemente, exigem mais motivação e colaboração por parte do pedófilo", do que apenas o tratamento hormonal.
Lacuna em Portugal
Estas intervenções existem há anos noutros países europeus e no Canadá, mas ainda não chegaram a Portugal.
De acordo com Afonso de Albuquerque, a total falta de coordenação entre o sistema judiciário e o sistema de saúde no país não permitiu ainda a implementação de protocolos de intervenção médico-legal na avaliação, no tratamento voluntário (ou/e compulsivo) e na reinserção dos pedófilos.
"Isto significa que se perde uma oportunidade única (a investigação policial, a detenção e o julgamento) para realizar conjuntamente (sistemas de saúde e de justiça) essa intervenção terapêutica e preventiva", afirma.
Para este psiquiatra, "é a protecção das crianças e das mulheres face às agressões dos predadores sexuais já referenciados pelo sistema mas de novo em liberdade que não está a ser adequadamente assegurada pelas nossas instituições jurídicas, prisionais e médico-legais, à luz dos progressos já conseguidos nesta área na própria Comunidade Europeia".