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Maria das Dores condenada a 23 anos de prisão

O tribunal da Boa-hora considerou provados todos os factos da acusação e condenou Maria das Dores a 23 anos de prisão pela encomenda da morte do marido, Paulo Cruz. Os autores materiais do crime apanharam 20 e 18 anos de cadeia

O juiz Carlos Alexandre demorou duas horas a ler o acórdão que condena os três envolvidos no homicídio de Paulo Cruz a pesadas penas de prisão. A mandante do crime, Maria das Dores, viúva da vítima, vai cumprir 23 anos de prisão. O brasileiro João Paulo Silva, motorista, foi condenado a 20 anos de cadeia. Por decisão judicial só vai cumprir dez e depois será expulso do país. O outro autor material do homicídio, Paulo Horta, apanhou 18 anos. Os três vão ter ainda de pagar solidariamente 503.778 mil euros ao filho de Paulo Cruz.

Maria das Dores vai recorrer

O advogado da "socialite", Brito Ventura, afirma que vai recorrer da pena, assim como da recusa do juíz em fazer novas perícias psicológicas à arguida. "A pena aplicada não é justa e não me surpreende", diz Brito Ventura. "O colectivo de juízes já tinha uma opinião formada antes do julgamento".

(notícia publicada no 1ºCaderno, na edição de 09/02/2008)

A viúva de Paulo Cruz escreveu uma carta numa cela da cadeia de Tires para entregar no tribunal. Maria das Dores mantém que está inocente.

Na próxima sessão do julgamento que está a decorrer no tribunal da Boa-Hora, Maria das Dores, acusada de ter encomendado a morte do marido, vai entregar ao colectivo de juízes uma carta que escreveu na cadeia de Tires, onde está em prisão preventiva desde Janeiro do ano passado. "O documento visa complementar as declarações que a arguida fez em tribunal e esclarecer algumas situações", explica o advogado Brito Ventura. Maria das Dores não pretende fazer qualquer confissão. "Não se trata de uma assunção dos factos", assegura o advogado, que também pretende chamar várias testemunhas para novos interrogatórios.

Maria das Dores é acusada de ter mandado matar o marido, Paulo Cruz, em Janeiro do ano passado, para evitar um divórcio que a deixaria na ruína financeira. O empresário foi atraído a um apartamento em Lisboa e morto com dois golpes de marreta que lhe desfizeram o crânio. João Paulo e Paulo Horta são acusados da autoria material do homicídio e atiram as culpas um para cima do outro. Ambos implicam Maria das Dores no homicídio. Os três suspeitos arriscam a pena máxima de 25 anos de prisão.

(reportagem publicada na Única, na edição de 15/12/2007)

O motorista de Maria das Dores Pereira da Cruz, acusada de ter "encomendado" a morte do marido, era prostituto de luxo. Agora é um dos suspeitos do homicídio.

O que tem uma reportagem do "Expresso", de 2003, a ver com o caso Maria das Dores Pereira da Cruz, a mulher acusada de ter mandado matar Paulo Pereira da Cruz, seu marido, empresário do sector hortícola? Aparentemente, nada. O título: "Profissão Gigolô", embora sugestivo, também não fornece pistas. As fotos, sim.

Um dos ditos "gigolôs" - eufemismo de prostituto -, que aceitou posar a troco de verba compatível com a que receberia de uma mulher que recorresse aos seus préstimos, era Marcelo, nome fictício de um jovem brasileiro recém-chegado à diáspora brasileira em Portugal, produto energético de dieta rigorosa e "body building" de ginásio, cheio de sonhos, disposto ao que fosse preciso para concretizá-los. Usava de discurso recorrente a quem está, como ele estava, em situação legal, mas precária. Estava inscrito numa agência da especialidade, com publicidade explícita na Internet, exclusivamente dedicada ao sexo feminino. Mesmo.

Marcelo não era Marcelo. Era João Paulo Carvalho Silva, cujas fotos foram devidamente identificadas por David Mota - aliás, David Motta -, filho de Maria das Dores Pereira da Cruz, fruto do seu primeiro casamento. O mesmo homem que está preso preventivamente há mais de nove meses, juntamente com Paulo Jorge Monteiro Horta, cabo-verdiano, um dos acusados da autoria material do homicídio de Paulo Pereira da Cruz, usando de uma marreta, alegadamente a mando de Maria das Dores, "pseudo-socialite" do microcosmos cor-de-rosa da nação, que terá prometido à dupla 150 mil euros para concretizar o seu actual estado de viuvez.

O julgamento decorre numa dúvida: qual dos homens terá executado a tarefa? João Paulo Silva, que tinha funções de motorista da família Pereira da Cruz, garante que foi Paulo Jorge Horta, no ramo da construção civil até ao momento do crime. Paulo Jorge, por sua vez, contradiz João Paulo. E, assim, contradiz-se. Ao contrário do que havia dito à Polícia Judiciária e ao Tribunal de Instrução Criminal, onde confessou ser o homem da marreta, afirmou em sessão de julgamento que só o disse por ter sido "pressionado pela Polícia Judiciária". Contradizendo-se, ambos confirmam a sua cumplicidade neste crime, assim como a sua alegada "mandante". Nisso, são consonantes: Maria das Dores. A "doutora", para João Paulo Silva. A "senhora", para Paulo Jorge Horta.

Certo também é que João Paulo era pessoa de confiança da família Pereira da Cruz, a suficiente para todos os dias ir buscar o filho menor à escola. Ou para ter a chave do apartamento no número 11 da Avenida António Augusto de Aguiar, arrendado pela família pouco antes da data do crime, onde Paulo Pereira da Cruz foi assassinado, onde seria encontrado com um saco de plástico na cabeça, selado por fios eléctricos. David Mota não tem dúvidas. O gigolô da reportagem e o motorista da sua família são a mesma pessoa. E, se as fotos não bastassem, bastaria uma informação no texto. João Paulo - aliás, "Marcelo" - falava do seu sonho de ser piloto de aviões de longo curso e que se encontrava a tirar o brevê. Exactamente nessa altura, Marcelo - aliás, João Paulo - "estava a tirar o brevê no aeródromo de Tires", garante David Mota. Não que isso tenha implicação directa no crime ou no julgamento. Diz só da forma como, três anos mais tarde, no Verão de 2006, Maria das Dores e o engenheiro Paulo Pereira da Cruz conheceram o seu futuro motorista. João Paulo e o cabeleireiro Duarte Menezes - aliás, Duarte de Lemos e Menezes -, conta David Mota, "tinham uma relação de grande proximidade, digamos assim". Não explorando as proximidades de Duarte Menezes - aliás, Silvério Duarte -, ambos passavam férias no Algarve na mesma altura que Maria e Paulo Pereira da Cruz.

Maria das Dores e Duarte Menezes ainda não eram declaradamente amigos, coisa que hoje não são, mas já se conheciam. Hoje, Duarte Menezes nem quer ouvir falar de Maria das Dores. E esta retribui dizendo que Duarte Menezes só tinha duas coisas de que ela não gostava, nesta novela de sangue à portuguesa: "Bruxas e prostitutos." João Paulo, que não era bruxo, foi apresentado ao casal. E, recorda David Mota, "a minha mãe o o meu padrasto acharam-no uma pessoa dentro do registo, de certa forma educado e com mais potencial do que aquele inerente aos serviços que prestava. Resolveram então ajudá-lo. Por ter dado algumas provas, conquistou uma certa confiança lá em casa". Que provas foram essas? "Mais não sei porque estava do outro lado do Atlântico (Nova Iorque) por essa altura. Sei que era um convívio diário. Era um empregado lá de casa", remata.

Incriminações mútuas

Seja como for, perante a hipótese de 25 anos de cadeia, pena máxima em Portugal, longe vão os sonhos de João Paulo Silva de ser piloto de longo curso. A sua aventura de suposta "alta-roda", onde gravitam os ditos famosos, os semifamosos e os famosos que hão-de ser, acabou quando acabou a vida de Paulo Pereira da Cruz, que supostamente andava empenhado em divorcia-se de Maria das Dores. Esta, por sua vez, estava simplesmente empenhada, acumulando dívidas que o engenheiro já não estava disposto a pagar. Com a sua morte e com o respectivo seguro de vida, tudo se resolvia. Provando-se isto, o que ainda não aconteceu, provar-se-á o móbil do crime.

Esta semana surgiu no julgamento um dado novo, para juntar à confusão existente, resultante da troca de "galhardetes" entre João Paulo e Paulo Jorge, ocupadíssimos em incriminar-se mutuamente. Um testemunho de um taxista lisboeta, que se deslocou voluntariamente à Polícia Judiciária, poucos dias após o crime, vai ser analisado em tribunal. Este taxista, terá afirmado na PJ que transportou Maria das Dores, desta feita dias antes do crime, e que esta lhe terá perguntado se "ele não conhecia dois brasileiros para matar o marido". Aparentemente, fazia questão em brasileiros. Por outro lado, a ser a mandante da morte do marido, Maria das Dores não demonstrava cuidados em pedir a "encomenda", pedindo com a maior das displicências a um desconhecido ao volante que lhe encontrasse cúmplices. Ou, então, tinha dispensado os serviços do seu motorista.

(reportagem publicada na Única, na edição de 17/11/2007)

Maria das Dores Pereira da Cruz, suposta "socialite" de um suposto "jet-set", é hoje uma das reclusas mais famosas no país, acusada de ser a mandante da morte do marido, o empresário Paulo Cruz. Chegou a hora do julgamento.

David Motta subia as escadas de uma casa emprestada em Lisboa, depois de um dia em que vestiu e despiu algumas personagens do seu elenco próprio. Umas botas "drag queen", de "griffe" e sola altíssima, que teve de descalçar no caminho, denunciavam no seu andar o que David denuncia quando se distrai: um jovem em equilíbrio instável, que escolhe as botas que calça, mesmo sabendo, hoje mais que nunca, da proporcionalidade entre a altura e a queda. Sinal dos tempos: não tinha nada para oferecer. Na verdade, tinha: um chocolate, uma banana e um iogurte, que a mãe lhe deu "à la carte" do menu do sistema prisional.

A mãe é Maria das Dores Pereira da Cruz, aliás Maria das Dores, aliás Maria Teresa, aliás Maria das Dores Correia Alpalhão, aliás Maria das Dores Correia Motta, aliás "Mimi", presa preventivamente vai fazer nove meses, a ser julgada por alegadamente ter "encomendado" a morte do seu marido Paulo Pereira da Cruz, engenheiro agrónomo, empresário do sector hortícola, administrador e accionista da Campotec, empresa de Torres Vedras, cansado de dívidas e cheio de dúvidas quanto à manutenção do seu casamento com Maria das Dores, mulher de força inesgotável que, vai fazer nove meses, tinha amigos.

Factos e teorias romanceadas convivem alegremente, servindo-se desta bandeja de "jet-set" à portuguesa. É preciso, por isso, saber primeiro o que é essa coisa de "jet-set", para se saber exactamente quem o integra e porquê. Serão os cabeleireiros "socialite"? Serão as ex-Tatiana Romanova, que apanhavam o autocarro em Santo António dos Cavaleiros, hoje orgulhosamente Grafstein, esposo decorativo "botox" e costela de cirurgia? Serão as Lilis? As Elsas? As Saviotti? As tarólogas RP? Os Ramos? Todos os que debitam futilidades sobre o penteado da Rainha de Inglaterra? Os ex-modelos estrelas de telenovela? Os jogadores de futebol milionários? Serão os que combinam com "paparazzi" fotografias para as revistas da especialidade? Ou os que vão de viagem paga para os destinos de sonho? Não se sabe. E assim, não se sabendo, também não se fica a saber se Maria das Dores era neste pseudo "jet-set" nacional elemento ínfimo ou preponderante. Sendo interessante, nada disto interessa. Ou, se for móbil, interessa muito.

Para já, interessa isto: Maria das Dores foi pelas escadas, por causa da claustrofobia. Paulo Pereira da Cruz foi de elevador. E foi assassinado com uma marreta, encontrado no chão do número 11 da Avenida António Augusto de Aguiar, apartamento que Paulo e Maria das Dores tinham alugado pouco antes de 20 de Janeiro, data do crime, com um saco de plástico na cabeça, atado com fios eléctricos.

Os supostos autores do crime, um deles confesso, fizeram-no a troco de 153 mil euros. São a dupla Paulo Jorge Monteiro Horta, cabo-verdiano do ramo da construção civil, e João Paulo Carvalho Silva, brasileiro, que fora motorista e homem de confiança da família Pereira da Cruz. Maria das Dores Pereira da Cruz é detida para interrogatório alguns dias depois e a 9 de Fevereiro é presa preventivamente, dando entrada no Estabelecimento Prisional de Tires, estando actualmente em Caxias. É acusada de ser a mandante e autora moral do crime e, tal como sobre os executores, paira sobre ela a longa sombra de 25 anos de cadeia.

As razões para esta "encomenda" de crime, segundo a substância do Ministério Público, são proverbiais: Dinheiro. O que Maria das Dores não tinha para alimentar os seus gastos, as dívidas que acumulou, as que haviam de vir, caso fosse mesmo vontade de Paulo Cruz avançar com o processo de divórcio. Diz João Cruz, o irmão do empresário, que era essa a sua vontade. Diz Maria das Dores que amava aquele homem e que só é culpada do "crime" de amar. Diz David Motta, filho do primeiro casamento com José António Mota, apenas com um "t", professor de História, que o padrasto andava a abusar das actividades noctívagas, e que foi ele quem aconselhou a mãe a pedir o divórcio.

David, que à data do crime estava a viver em Nova Iorque e a estagiar na revista "Vogue", está hoje com termo de identidade e residência, por causa de um processo movido pelo seu pai, o historiador, que o terá acusado de falsificar uma assinatura para lhe retirar 150 mil euros da conta. David não confirma nem desmente (ver entrevista na pág. 72). João Pereira da Cruz, o pai do empresário assassinado, ficou com a guarda do filho menor do casal, atirado para uma disputa visceral entre a família do morto e a família da acusada, ambos retalhos de família, perdidos em amargos e arrestos preventivos. O pai de Paulo Pereira da Cruz também já processou Maria das Dores e exige avultada indemnização para assegurar o futuro do menor. João Pereira da Cruz, por sua vez, também está com termo de identidade e residência. Maria das Dores, transferida por motivos psiquiátricos para a prisão-hospital de Caxias, continua a reclamar inocência. Ana Valentim, a sua advogada oficiosa, reclama contenção, afirmando que este caso "é igual a tantos outros".

Seja como for, Maria das Dores, de 49 anos, quando andava no liceu de Portimão era Mimi. E a Mimi, como Mimi que era, como todos os jovens que são jovens, sonhava. Na praia da Restinga, no Alvor, foi menina. Em Lisboa, foi mulher. Foi a mulher que nela viu José António Mota, o seu professor de História no 12º ano, que com ela havia de casar, e de quem havia de se separar quando ela já era funcionária do antigo Banco Português do Atlântico, tinha o filho de ambos, David, onze anos.

Maria das Dores saiu do divórcio para outro casamento, com Paulo Pereira da Cruz, um empresário a florescer, que conhecera pouco tempo antes, em Sintra. Nasceu Maria das Dores Pereira da Cruz, a mulher que queria mais, nem que fosse com cheques pré-datados, um hábito nacional. Queria tudo o que teve. Jóias, roupas, motorista, condomínio, "glamour" q.b. subitamente interrompido por um acidente de viação, em 2000, de que saiu com o braço esquerdo amputado.

Nada disto derrubou Maria das Dores, que não aparecia tantas vezes nas revistas cor-de-rosa que desse para se perceber o tal fascínio pelo "jet-set". Sabe-se que era amiga de João Chaves e Duarte Menezes, dupla "coiffeur", e tinha conhecimento remoto com José Castelo Branco. Em dias, passou de viúva chorosa ao protótipo de viúva negra. Os amigos desapareceram, o brilho esfumou-se, a queda foi dura. E eis que surge Maria das Dores, a reclusa famosa em que se transformou. Ou, simplesmente, Maria.