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Jovens usam droga para ter sexo

Um quarto dos rapazes e raparigas que snifa cocaína fá-lo para prolongar o acto sexual e ter mais prazer.

Os sábados à noite de João têm como condimentos o sexo, a droga e o rock'n'roll. O rapaz de 19 anos admite ter mais prazer sexual e melhores performances quando recorre a umas linhas de cocaína. "Não tem nada a ver", tenta explicar. O primeiro estimulante sexual usado por este jovem universitário foi o ecstasy, há três anos. "Podia estar a noite toda a ter sexo. Mas deixei as 'pastilhas' depois de um grande susto. Ia tendo um ataque cardíaco", recorda.

João pertence ao grupo crescente de jovens noctívagos que toma drogas ilícitas para se entregar a maratonas sexuais. Um estudo feito a 1341 rapazes e raparigas entre os 18 e os 35 anos, em nove cidades europeias (Lisboa incluída), revela que a cocaína é usada para o sexo ser mais intenso, o ecstasy (o favorito dos rapazes) para ser mais duradouro e a canábis para aumentar a sensualidade. "Ligar sexo e droga aumenta a possibilidade de criar uma dependência. Ambas as condutas se reforçam mutuamente", diz o psiquiatra espanhol Amador Calafat, coordenador do estudo da associação europeia de prevenção, Irefrea. "O mais surpreendente é a ideia destes jovens de que as drogas têm um sentido utilitário". Um dado preocupante do inquérito é o facto de um quarto dos jovens que toma cocaína justificar que o faz apenas para prolongar o acto sexual. "Esta droga é um excelente afrodisíaco, mas tem consequências terríveis a longo prazo. Mais tarde, eles irão pagar a factura, tornando-se impotentes e perdendo o desejo", enfatiza o sexólogo Santinho Martins.

O estudo mostra ainda uma forte relação entre o consumo habitual de substâncias ilícitas e a iniciação sexual. As raparigas que tomam drogas antes dos 16 anos têm seis vezes mais probabilidades de se iniciarem no sexo do que as que nunca as experimentaram. O ecstasy é, para os jovens lisboetas com menos de 16 anos, a droga mais ligada à actividade sexual precoce. Já noutras cidades, como Atenas, Praga ou Viena, a droga eleita pelos mais novos para o sexo é a cocaína. "Os novos estilos recreativos de fim-de-semana levam a que haja mais encontros, mais parceiros sexuais e um tipo de relação mais baseada no hedonismo", explica Amador Calafat.

Trocar sexo por 'pastilhas'

O estudo centra-se em três aspectos: as implicações das drogas na iniciação do sexo, o seu uso para atingir determinados efeitos sexuais e as consequências que o seu consumo tem na saúde pública (em particular, na prática de sexo não seguro).

Uma das conclusões que salta à vista é a de que os consumidores de alguns tipos de droga são também mais promíscuos. Quem, por exemplo, snifa regularmente uma linha de cocaína tem maior probabilidade de ter tido mais de cinco parceiros sexuais no último ano. E, por associação, de ter praticado sexo desprotegido. É o caso de João, que confessa esquecer-se mais facilmente dos preservativos quando está speedado.

Este jovem português não se encaixa, no entanto, no perfil daqueles que confessam fazer intercâmbio de sexo por droga. Segundo o estudo, um em cada sete jovens que toma ecstasy confessou ter recorrido a este esquema no último ano. Os sentimentos pouco importam quando se pode obter uma 'pastilha' de borla. "O uso destas drogas torna as relações descartáveis e o sexo sem afectos", sentencia Santinho Martins. "A adição sexual leva a outro tipo de compulsões".

Já se sabia que o álcool era outro desinibidor sexual, mas não deixa de surpreender que um terço dos jovens que consome bebidas alcoólicas procure parceiros quando não estão sóbrios. "Este tipo de diversão nocturna de fim-de-semana está a transformar de forma profunda a vida dos jovens. Devemos estar atentos ao papel da indústria recreativa nos adolescentes", conclui Calafat.

1341 jovens entre os 16 e os 35 anos (frequentadores de bares e discotecas em Liverpool, Palma de Maiorca, Viena, Atenas, Veneza, Lisboa, Berlim, Brno e Lubliana) foram alvo de um estudo da associação europeia de prevenção Irefrea, levado a cabo pelo Centro para a Saúde Pública da Universidade John Moores de Liverpool e publicado no 'BMC Health'

6 as raparigas com menos de 16 anos que tomam drogas de forma habitual têm seis vezes mais hipóteses de ter sexo do que as que não usam substâncias ilícitas; nos rapazes, a probabilidade é três vezes superior

14,2 é a percentagem de jovens que admitiu ter feito um intercâmbio de sexo por ecstasy no último ano

5 é o número de parceiros sexuais que um consumidor habitual de cocaína teve em média no último ano; o número é semelhante aos consumidores de álcool

28,6 é a percentagem dos jovens noctívagos das nove cidades europeias que ingere bebidas alcoólicas exclusivamente para encontrar um parceiro sexual

Texto publicado na edição do Expresso de 25 de Outubro de 2008