Em apenas duas décadas, os videoclubes apareceram, conquistaram presença obrigatória em cada bairro e estão agora perto, cada vez mais perto, do fim. Resta um terço dos que existiam nos anos 90, a época dourada das cassetes VHS, e só este ano faliram mais 120. Têm vindo a definhar nos últimos anos, exactamente ao mesmo ritmo com que cresceu a velocidade de navegação da Internet, a tecnologia que vai acabar por ditar-lhes a morte."A generalização da banda larga veio massificar os downloads ilegais. Em poucos minutos, e de forma totalmente gratuita, qualquer pessoa tira um filme da Net, às vezes vários meses antes de estrear em Portugal. É pirataria pura e dura, cometida impunemente todos os dias. Não é possível sobreviver a isto", critica António Carrasco. O empresário sabe bem do que fala. No início da década, chegou a ser dono de oito videoclubes, empregando 24 funcionários. Já teve, entretanto, de declarar a falência de cinco e no próximo mês prepara-se para fechar mais dois e despedir os últimos quatro empregados. Perdeu os clientes mais jovens e são cada vez menos os que ligam para reservar as últimas novidades. Com os filmes acumulados nas prateleiras, actualmente factura metade do que chegou a ganhar.
Acusando o Estado de nada fazer para impedir a pirataria, António Carrasco é o primeiro subscritor de uma moção enviada este mês ao Governo e ao Parlamento, na qual os proprietários de clubes de vídeo avisam que ponderam deixar de pagar impostos. Dizem-se "desobrigados" dos seus deveres fiscais, pelo menos enquanto o Estado for "conivente" com as grandes operadoras de Internet, como a MEO e a ZON, que acusam de "sustentar um negócio de milhões com base na ilegalidade", ao promoverem, nos anúncios, "velocidades de download nunca antes atingidas". E até que as autoridades decidam apertar o controlo sobre os downloads ilegais e aprovem medidas radicais como as que vão agora entrar em vigor em países como a França ou o Reino Unido (ver caixa abaixo).
É isso mesmo que o Governo pondera fazer. Questionado pelo Expresso, o Ministério da Cultura (MC) assume estar preocupado com a situação e anuncia que "é natural que a medida do corte de acesso à Internet possa vir a ser tomada" em Portugal em relação aos cibernautas que fizerem downloads ilegais. Depois de "vários avisos" e "mediante decisão judicial". De acordo com o MC, o assunto pode ficar resolvido já na próxima semana, quando os ministros da Cultura dos 27 se reunirem em Bruxelas para discutir o problema.
Resta saber se a medida vai a tempo de evitar a morte dos videoclubes, que parece já estar mais do que anunciada. São poucas as hipóteses de sobrevivência das lojas de bairro, quando até as grandes cadeias como a Blockbuster assumem registar "uma queda na facturação e viver tempos difíceis e incertos".
Mas os empresários do sector não desistem. Preparam-se para criar uma rede nacional de lojas e investir €10 milhões para "elevar o tradicional conceito de clube de vídeo a um nível de modernidade sem precedentes". Instalar máquinas que fornecem os vídeos em pen drives e outros suportes digitais para que o cliente não tenha de dar-se ao trabalho de devolver o filme é uma das medidas anunciadas. "A nossa morte só virá se a pirataria vencer. E se vencer, não somos só nós, mas toda a indústria cinematográfica que cai", garante Nuno Pereira, porta-voz da Associação de Comércio Audiovisual de Portugal.
De facto, os videoclubes são apenas a face mais visível do problema. Muitos outros sectores da indústria cultural, que representa 8% do PIB, estão sob ameaça. "Em Portugal já houve 60 editoras de vídeo. Hoje sobram nove. Tal como está, a Internet tem desgraçado toda a gente. As indústrias começam, todas elas, a ficar ameaçadas. Estão em causa milhares de postos de trabalhos", avisa Paulo Santos, director da Federação dos Editores de Videogramas.
Video-on-demand não é ameaçaSair de casa para alugar um vídeo parece, cada vez mais, coisa do passado. As operadoras de televisão por cabo disponibilizam milhares de títulos, que podem ser alugados a partir do sofá, com um toque no comando. Mas apesar de parecer (mais) uma ameaça à sobrevivência dos videoclubes de bairro, a verdade é que o video-on-demand (VOD) não parece preocupar o sector. "As pessoas não aderem porque é caro", explica Nuno Pereira, da ACAPOR. Um vídeo mais recente como "Anjos e Demónios", a segunda adaptação ao cinema de um best-seller de Dan Brown, custa €3,50 nos videoclubes da MEO e da ZON, mas pode ser alugado por €2,50 na maioria das lojas de bairro. A diferença no preço prende-se com os "custos de manutenção do sistema tecnológico associado ao VOD, nomeadamente à digitalização e armazenamento digital das obras", explica Paulo Santos, da FEVIP. O facto de terem as novidades dois meses antes de estas estarem disponíveis no VOD é outra das vantagens com que as lojas ainda contam.
França
É já em Janeiro que entra em vigor uma das leis mais restritivas de todo o espaço europeu. O Governo criou uma entidade que vai monitorizar a net e controlar os sites de partilha de ficheiros. Ao terceiro download ilegal de um filme ou de uma música, por exemplo, a pessoa fica sem acesso à Internet por um período de 6 meses a dois anos. É incluída numa 'lista negra' de piratas e proibida de estabelecer contrato de Internet com qualquer operadora.
Inglaterra
No mês passado, o Governo britânico anunciou a meta de reduzir em 70% a pirataria na Internet no espaço de 18 meses. Para isso, foi aprovada uma lei que prevê a redução da velocidade de Internet e o impedimento de acesso a alguns sites para qualquer pessoa que faça três downloads ilegais.
Irlanda
Os internautas irlandeses vão ser impedidos de aceder a sites de download ilegal de música e vídeos. O maior operador de Internet do país, a Eircom, foi o primeiro a bloquear o acesso. Os outros deverão seguir-se, sob pena de enfrentarem processos judiciais.
Suécia
Um tribunal de Estocolmo condenou a um ano de prisão os responsáveis pelo Pirate Bay, o maior site mundial de partilha ilegal de ficheiros. Na semana em que entrou em vigor a lei antipirataria, em Abril, o tráfego de Internet desceu 40% e as vendas de CD dispararam 100%.
Espanha
O Governo de Zapatero anunciou em Outubro a criação de uma Comissão Anti-Partilha Ilegal, envolvendo quatro ministérios, entre os quais o da Justiça e o da Cultura, que promete encontrar soluções para combater o problema, que poderão passar pela diminuição da velocidade de Internet aos infractores.
Holanda
A justiça holandesa ordenou os responsáveis do site Pirate Bay a retirarem, num espaço máximo de três meses, todos os ficheiros protegidos pelos direitos de autor naquele país. Se a ordem não for cumprida, o tribunal obriga os responsáveis a pagar 5000 euros por cada holandês que entre na sua página.
Alemanha
A legislação obriga os sites de partilha de ficheiros a divulgar o IP (identificação do computador) das pessoas que lá carregam ilegalmente conteúdos protegidos por direitos de autor. Foi o que aconteceu à pessoa que colocou na rede, antes da própria estreia oficial, o último CD dos Metallica. A sua casa foi invadida pela polícia e teve de pagar uma multa. Cerca de 500 pessoas já foram notificadas para pagarem 800 euros por descargas ilegais de conteúdos.
União Europeia
O combate à pirataria tem vindo a ser discutido no Parlamento Europeu. Deverá ser aprovada em breve uma directiva que autoriza o corte da net a cibernautas que façam downloads ilegais, mesmo sem uma ordem judicial prévia.
2012
é o nome da megaprodução norte-americana que alcançou este ano o maior sucesso de bilheteiras nos EUA. O filme estreou em Portugal na semana passada, mas muito antes disso já estava disponível para download na net. Só em Março chegará aos videoclubes
1300
é o número de videoclubes que chegou a existir em Portugal na década de 90. Hoje são menos de 500, empregando cerca de 3000 pessoas
120
Clubes fecharam só este anoTexto publicado na edição do Expresso de 21 de Novembro de 2009