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Humor dá uma picada na globalização

Uma centena de cartoons, de 34 países, permanecem até ao próximo mês numa mostra aberta ao público em Lisboa. A globalização é o alvo do pincel dos humoristas.

O cartoon "Shopping" venceu o segundo prémio ex-aequo
Através da lente, o navegador aprumado na proa da nau avista a costa das terras recém-descobertas. Na outra mão, segura um carrinho de supermercado. A imagem anacrónica pode parecer divertida... e é mesmo essa a intenção. Ou não fosse este cartoon do italiano Alessandro Gatto um dos cerca de cem que se encontram expostos até ao início do próximo mês na sede da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em Lisboa. Trata-se de uma selecção dos melhores trabalhos apresentados a concurso na edição deste ano do PortoCartoon, que teve como tema a "Globalização".

Intitulado "Shopping" (compras), o cartoon de Gatto é uma viagem no tempo. "Quis representar o início da era moderna. 1942: Cristóvão Colombo, o primeiro globalizador", conta o autor ao Expresso. O cartoon traça um paralelo entre o mundo das multinacionais e um tempo em que "os impérios se expandiam em todas as direcções, com custos elevados, destinados a implodir mais cedo ou mais tarde, mas com os olhos postos nos lugares do mundo onde poderiam obter, se necessário recorrendo à violência, tudo aquilo que necessitavam". Este trabalho mereceu o segundo prémio 'ex-aequo' do PortoCartoon 2007, a par de "Motoperpétuo", do brasileiro Osvaldo da Costa, com os seus infinitos carros puxados por homens; e só ficou atrás do índio que atira um telemóvel amarrado a uma flecha, da autoria do polaco Grzegorz Szumovski, o grande vencedor do concurso.

"Motoperpétuo", do brasileiro Dacosta, também recebeu o segundo prémio
Além dos trabalhos premiados, que aparecem em grande destaque na mostra, dezenas de outros cartoonistas vindos dos quatro cantos do globo, mostram a mesma veia mordaz, retratando o impacte e as implicações da globalização sobre a sociedade, os seus efeitos mais perversos, as disparidades económicas, a uniformização cultural. "A globalização é o resultado do desequilíbrio económico entre os países do mundo", afirma Gatto. "Os países ricos podem comprar, decidindo o preço, matérias-primas e mão-de-obra dos países pobres. Estes vêem, infelizmente, nos países ricos o modelo a alcançar a qualquer custo, mesmo que isso implique renunciar à sua própria tradição e cultura".

O Brasil é o país mais bem representado, com 12 trabalhos; seguido de Portugal, com oito; e de Polónia, Rússia e Sérvia, com cinco cada. No total, 34 países estão presentes. No Porto, onde estiveram expostos anteriormente, estes trabalhos foram vistos por milhares de pessoas.

Inteligência e crítica - as armas do cartoon

A exposição estará aberta até 3 de Dezembro
Mais do que uma piada que vale pelo que faz rir, o cartoon é a caricatura de um ponto-de-vista. E também vale pelo que faz pensar. "O humor permite tratar assuntos difíceis, por vezes até dolorosos, com imediatez e eficácia", considera Alessandro Gatto. "Aquilo que às vezes comunica um cartoon, com a sua 'ligeireza' e 'profundidade', para ser transposto em palavras necessitaria de várias folhas escritas ou discursos muito longos, com o risco de quem lê ou ouve adormecer".

Esse poder comunicativo raramente é negligenciado e frequentemente é vítima de abusos nas mãos de regimes autoritários. "Nem todos os países do mundo consideram esta arte legítima", sublinha Gatto. "Parece-me que quanto mais antidemocrático é um país, menos encoraja esta forma de expressão. Talvez porque a considerem perigosa, já que é tão inteligente e crítica", explica, afirmando esperar, contudo, "um futuro cada vez mais luminoso" para a arte de fazer rir e pensar através de desenhos.

A mostra irá permanecer no átrio central da sede da CGD até ao dia 3 de Dezembro e está aberta de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h30. A entrada é livre.