A campanha para as eleições presidenciais no Chile, que se realizam no próximo domingo, agitou-se quando um tribunal decretou que o ex-presidente Eduardo Frei Montalva (pai do candidato Eduardo Frei Ruiz-Tagle) foi assassinado pela ditadura de Augusto Pinochet. Frei Montalva foi envenenado durante um internamento hospitalar, em 1982. Depois de ter governado democraticamente entre 1964 e 1970, tornara-se o principal rosto da oposição a Pinochet.
Na passada segunda-feira, o juiz Alejandro Madrid acusou seis pessoas de terem morto Frei Montalva, reabrindo o debate sobre os crimes da ditadura. Fê-lo numa altura em que Eduardo Frei Ruiz-Tagle, candidato apoiado pelo Governo de centro-esquerda e filho do líder assassinado, aparece nas sondagens atrás do seu rival Sebastián Piñera, que poderá recuperar o poder para a direita pela primeira vez desde a queda de Pinochet, há 20 anos.
Os exames forenses indicam que Frei Montalva foi envenenado com tálio (um raticida) e mostarda sulfúrica durante uma simples operação a uma hérnia. O filho, que já foi Presidente entre 1994 e 2000, suspendeu a campanha ao conhecer a notícia e denunciou o "primeiro magnicídio" da história chilena. Acompanhado pelos líderes dos quatro partidos que formam a aliança no poder, "Concertação", e por mais 400 pessoas, visitou o túmulo do pai.
É a primeira vez que os horrores da ditadura entram nesta campanha - a primeira desde a morte de Pinochet, em 2006 -, e a reacção dos candidatos, embora cordata, espelha as divisões que o período de 1973 a 1990 ainda gera. Piñera, que está à frente nas sondagens, com 44% (mais 13% do que Frei, com quem disputaria uma segunda volta, a 17 de Janeiro), prometeu mandar investigar o crime que é, a seu ver, "uma ferida aberta na alma da nação". Mas garantiu que não quer exacerbar divergências passadas. O candidato da direita causou polémica, há semanas, quando disse não querer eternizar os julgamentos de militares por violações dos direitos humanos durante a ditadura.
O independente ex-socialista Marco Enríquez-Ominami distribuiu críticas aos outros dois candidatos. Lembrou a Frei que antes do seu pai, já Salvador Allende, também Presidente legítimo, fora assassinado pela facção de Pinochet. E criticou Piñera por ter proposto uma lei de amnistia, em 1995, enquanto senador
Anuncia-se uma batalha judicial a propósito do assassínio de Frei Montalva. A acusação quer ver indiciados os autores intelectuais do crime, entre os quais apontam Pinochet. Os réus podem recorrer e, em todo o caso, o andamento do processo dependerá da solidez da investigação policial. O juiz, que interrogou mais de mil pessoas e compilou provas em 27 tomos, afirma que a administração intravenosa de tóxicos fez com que a verdadeira causa da morte do ex-Chefe de Estado "fosse imperceptível para todos, excepto para os que nela intervieram".
Estão acusados Luis Becerra, que fazia de motorista da vítima mas era agente secreto da ditadura, o seu chefe Raul Lillo e o médico Patricio Silva, que operou o ex-Presidente e fizera parte do seu Governo. Outros três médicos completam a lista de réus: Pedro Valdivia, considerado cúmplica, e os "encobridores" Helmar Rosenberg e Sergio González, que fizeram a autópsia a Frei Montalva.
O milionário conservador Sebastián Piñera é, de momento, o favorito. Seria, aos 60 anos, o primeiro Presidente de direita desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990. Derrotado pela Presidente Michelle Bachelet há quatro anos, promete criar um milhão de empregos e garantir um crescimento económico anual de 6%. Há quem lhe critique um estilo demasiado empresarial.
Eduardo Frei Ruiz-Tagle, 67 anos, que foi Presidente de 1994 a 2000, quer dar continuidade aos programas sociais de Bachelet, mas não consegue seduzir todos os apoiantes da Chefe de Estado (que é imensamente popular, mas não pode recandidatar-se)
O terceiro classificado nos estudos de opinião, Marco Enriquez-Ominami, de 36 anos, é parcialmente responsável pela perda de votos de Frei. Ex-socialista, trouxe para o debate temas como o casamento homossexual e o aborto, desconcertando um país que, embora vote à esquerda, é conservador nos assuntos sociais. Produtor de filmes, tem rejeitado propostas de pacto à esquerda para travar a possível vitória de Piñera.
Mas Frei Ruiz-Tagle também está a perder apoios para um antigo ministro seu. Pelo Partido Comunista avançou Jorge Arrate, de 68 anos. Líder dos exilados chilenos durante a ditadura, foi ministro do Trabalho e da Educação, durante o primeiro mandato de Frei Ruiz-Tagle. Economista e académico, é apoiado por outros pequenos partidos de esquerda.
Ainda que o conservador Piñera vença, as sondagens indicam que o Parlamento e o Senado - que também vão a votos - continuarão dominados pela esquerda, ainda que com menor margem. Tal faz prever uma legislatura obrigatoriamente feita de negociação.