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Articulação dos 'particularismos'

Fernando Jorge Pereira, correspondente na Guiné-Bissau

Havendo recursos financeiros e apoio, a Guiné-Bissau tem condições humanas para desenvolver um projecto de estudo dos particularismos do Português falado no território, é o que defendem vários especialistas locais, interessados em contribuir para a harmonização linguística em curso no espaço lusófono.

Porém, lamentam a pouca atenção dada à questão pelas autoridades, que agem mais "por arrasto de Portugal", num assunto em que a abordagem política prevaleceu sobre a técnica, o que, segundo um dirigente, que quis preservar o anonimato, "se revelou uma autêntica armadilha".

Bissau rubricou o documento em 1993, mas desde então o assunto praticamente "morreu", e não há indicação segura de qualquer iniciativa ou data de ratificação do Acordo Ortográfico.

Domingos Gomes, um dos poucos linguistas guineenses, que cursou a Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, admite a necessidade de balizar e disciplinar a escrita da língua, devido à "imensidão do espaço pluricontinental que ocupa" no mundo, embora questione o 'timing' escolhido.

Este responsável do Departamento de Língua Portuguesa de uma escola de formação de professores em Bissau, considera que a uniformização linguística é uma matéria complicada e deve ser levada a cabo num contexto de diálogo "aberto e abrangente, no respeito das etapas históricas das sociedades das diversas comunidades linguísticas".

Sem se aventurar em dizer que o Acordo Ortográfico seja prematuro, Domingos Gomes sugeriu que é conveniente "avançar paulatinamente, dar mais algum tempo, e deixar as sociedades evoluírem e acompanhar o seu desenvolvimento, para então determinar em que momento intervir".

Indicou que o acordo vai trazer benefícios e pode enriquecer a língua, com a condição de incorporar as particularidades da grafia, da terminologia e do léxico dos restantes países lusofalantes, e não se limitar a "contentar portugueses e brasileiros".

O linguista é um dos dirigentes do Centro de Língua Portuguesa de Bissau, inaugurado em 2002, que forma anualmente 30 licenciados, apesar de todos os anos haver mais de 300 candidatos, que não são admitidos, por limitação de espaço e de recursos para pagar melhores salários aos professores.

Esta procura, o consenso sobre a importância da língua como factor de identidade nacional e o facto do crioulo evoluir cada vez mais para o português, dão-lhe a convicção de que os guineenses "não serão engolidos pela francofonia". Mas além do ensino da língua, adverte que é preciso investir também na sua utilização através de outras expressões culturais, designadamente nas rádios comunitárias, que cobrem todo o território, mas onde praticamente não se fala o Português.