O que é que o faz rir? A vida. Tudo.
Tudo? Brinco com tudo. Inclusivamente brinco com a minha própria doença.
Temos reparado nisso. Ainda há pouco tempo brincou com o seu pâncreas na cerimónia dos Globos de Ouro. Não sou um grande praticante do humor negro. Mas não fujo dele. E acho-lhe alguma graça. Gosto de brincar com tudo. Não vejo na doença um tabu.
Apesar da doença continua estrada fora com o espectáculo "A Treta Continua". Como consegue aguentar o ritmo? O teatro é a sua terapia? Talvez. Faço-o porque é bom. Ocupa-me o tempo e a cabeça e, por outro lado, custa-me dizer que não. No dia em que perceber que estou demasiado frágil para representar, abandono os palcos.
Mesmo com a dureza dos tratamentos de quimioterapia consegue cumprir a agenda de espectáculos? Tento cumpri-la sempre que posso. Mas há tempos fiquei muito mal devido a um erro de uma empregada da farmácia, que me deu o medicamento errado. Em vez de estar a tomar uma coisa para os enjoos da "quimio" estava a tomar outra para a diabetes, como se fosse um obeso. Não me deu um treco porque não calhou. (pausa)
Porque é que sentiu necessidade de fazer um comunicado de imprensa sobre o cancro que tem no pâncreas? A partir do momento em que saíram umas pequenas notícias na imprensa sobre o assunto começaram a bombardear-me. E como a maior parte desses jornais e revistas procuram esse tipo de notícias para vender papel senti que deveria dar uma informação formal sobre o que se passava. Ainda há dias ligaram-me de um jornal a perguntar se queria dar uma entrevista sobre o cancro do pâncreas. Recusei. Perguntei-lhes se eles não tinham alguém na família com cancro que pudessem entrevistar. Porque não? Com certeza têm...
Tem fé? Acredito em qualquer coisa. Nas nossas energias e no nosso trabalho.
Lê literatura sobre a doença? Não quero saber de nada, não sou obcecado pela doença. Não é por chafurdar nela que vou ter uma atitude mais positiva.
O que está a aprender com isto tudo? Nunca se está preparado para levar uma notícia má. Mas lido bem com situações de crise. Tudo isto fez-me relativizar as coisas.
Um dia disse que era melhor encenador do que actor. Não é falsa humildade? Não. Sempre achei que não era grande actor. Essa é uma grande verdade. Será sempre o que direi comparativamente às minhas referências...
A quem é que se refere? São tipos extraordinários com os quais não tenho qualquer tipo de comparação. Não estou a dizer que sou muito mau. O que acho é que não sou muito bom. Não sou um grande actor.
O grande público não tem essa visão de si... Pois. Mas aí há um outro fenómeno que tem a ver com a capacidade que se tem de chegar às pessoas. Não tem a ver com o talento.
Tem a ver com o carisma? Com algum carisma. Nalguns casos, alguma persistência. Ao fim de tantos anos é normal que as pessoas tenham uma opinião favorável de mim.
É por culpa do hábito? Do afecto que sentem por si? Acabo de fazer 43 anos como actor. A única coisa que foi importante e que tirei sempre muito partido foi da minha experiência. Dos sítios onde trabalhei. Os géneros de teatro que fiz, o próprio estilo de trabalho (TV, dobragens, teatro, cinema). Tudo isso deu-me tarimba e enriqueceu-me.
Em que é que acredita mais: no trabalho ou no talento? Acredito essencialmente no trabalho.
Desconfia do talento? Acredito que nem toda a gente tem essa grande quantidade de talento que seria desejável. O trabalho é fundamental, só assim se ganha experiência e se apanha a mão do ofício.
Não acha que tem um particular talento para a comédia? Tenho um sentido de humor muito característico. Não sou uma pessoa extremamente divertida, nem nunca fui propriamente o palhacinho da corte. Daqueles que goste de chamar a atenção dos amigos e colegas. Tenho um sentido de humor muito apurado. Brinco muito com isso, dá-me gozo. E claro tiro partido dessa faceta no meu trabalho de actor e encenador. Não consigo fazer nada desprovido de sentido de humor.
O espectáculo "A Treta Continua", que faz com José Pedro Gomes pelo país, é feito essencialmente de improviso? Há muito improviso. Quando começámos esse espectáculo há 13 anos uma das premissas era explorarmos ao máximo essa capacidade com base num texto. Desde aí sempre o fizemos. E, curiosamente, faço-o muito mais do que o Zé Pedro. Ele é mais certinho e direitinho. O que não quer dizer que não fuja. Mas sempre que ele muda uma palavra eu caio-lhe em cima. E ele vai atrás. É uma cumplicidade de muitos anos.
Como é que chegaram a essa cumplicidade? Um bocado à semelhança dos palhaços, o teatro é conflito. Se isso não existir as pessoas estarão em palco a dizer blábláblás. Palavras que até podem ser muito bonitas, mas não mexem connosco. E a minha postura enquanto Tóni é que se o Zezé concordar com uma coisa eu não concordo. Tenho a opinião oposta.
Na vida real vocês também têm personalidades muito diferentes, não é? Sim. Na maneira de ser. O Zé Pedro é mais enérgico, eu sou mais "cool". Ele é mais arrumadinho, eu improviso mais. Se ele ferve em pouca água, eu só fervo após litros e litros. (risos). Somos de facto muito diferentes e tiramos partido dessas diferenças.
Nunca discutem? Em mais de 15 anos que trabalhamos juntos temos discussões um com o outro na base do "caguei". Se me começar a chatear digo "caguei" e ele faz a mesma coisa.
O que vos mantém ainda juntos? Essencialmente o respeito um pelo o outro.
Aos 12 anos já era famoso. Chegou a ser capa de revista. Era um miúdo muito popular. Fiz uma novela, na altura um folhetim, que se chamava Gente Nova. Foi um sucesso.
Reconheciam-no na rua? Era eu e o Eusébio... (risos)
Era um miúdo bonito? Muito louro e arrumadinho, de cabelo comprido. Com as meninas todas atrás (risos).
O facto de ter começado tão cedo condicionou-lhe a infância? Não. Fazia a mesma vida. Jogava futebol com os meus colegas de liceu...
Mas se calhar escolhiam-no para ponta de lança. Não. Tinha dois pés esquerdos...
Como vê os miúdos de hoje a passarem tantas horas em estúdios de gravação? Hoje em dia é muito mais intenso. Há miúdos que são explorados e isso é outra maneira de exploração do trabalho infantil. Não estão numa fábrica mas estão ali. Muitos deles esquecem os estudos. Mas hoje há mais oportunidades. Tenho dúvidas é que muitos deles queiram ser actores, julgo que querem é ser famosos. Dei durante muito tempo aulas a malta muito nova, alguns hoje são meus colegas, como o Nuno Lopes, sem dúvida o meu melhor aluno.
Ri-se muito com ele? É dos melhores actores que estão no mercado. E sempre foi um miúdo muito trabalhador.
Quando optou pela profissão de actor? Aos 12 anos aquilo era uma brincadeira. Gostava de o fazer mas não tinha a noção de que seria a minha profissão. Só mais tarde soube que era isso que gostava de fazer.
No início da sua carreira ganhava bem com a carreira de actor? Era muito difícil. Na altura em que nasceu a minha filha mais velha, trabalhava no Teatro Municipal de Cascais onde os salários chegavam sempre atrasados, tive que pedir dinheiro emprestado para ir buscar mãe e filha ao hospital.
Chegou mesmo a conciliar a vida no teatro com outros trabalhos. Trabalhei com os meus irmãos em fibra de vidro.
Ainda hoje há crise no teatro? Os últimos anos têm corrido bem. A nós tem-no corrido bem.
São uma excepção? Talvez. Se fosse feito um estudo chegava-se à conclusão, provavelmente, que temos mais público que as outras companhias todas juntas.
Isso é quase serviço público. Não diria tanto. Mas quando vamos para outras cidades que não Lisboa, diria que sim. Quase ninguém quer fazer isso. É muito hotel, muito quilómetro.
Por que o fazem? É a forma de outras pessoas verem o espectáculo. Mas também é uma questão estratégica, porque evitamos fazer quatro ou cinco espectáculos por ano, rentabilizando assim o espectáculo. Mas com isso também formamos público.
Tiraram as pessoas do sofá e levaram-nas ao teatro? É das coisas mais importantes que fizemos.
Sentem que revolucionaram o teatro português? Juntamente com a UAU, a nossa produtora e promotora, e o Filipe La Féria, somos neste momento as duas grandes máquinas a criar e a levar público ao teatro.
Como é que o público fora de Lisboa reage aos vossos espectáculos? Depende. No caso da "Treta" há umas piadas que são mais urbanas, e nesse caso passa mais ao lado.
Uma das principais razões do sucesso da Treta tem a ver com o facto de o Tóni e o Zezé serem figuras muito portuguesas? As pessoas identificam-se com eles. O engraçado é que ninguém assume que é Tóni ou Zezé.
Inspiraram-se em personagens reais? Os portugueses são assuntos? Andamos na rua e vemos cromos como o Tóni e o Zezé por todo o lado. Portugal é uma treta, mas às vezes é uma treta agradável. Hoje, politicamente, Portugal é a maior treta do mundo. O Sócrates é o Tóni, e o Zezé é o Cavaco. (risos).
Interessa-se por política? Muito pouco e cada vez tenho menos respeito pelos políticos.
O que é que o desiludiu? São trafulhas e ladrões.
Vota? Voto. Em branco se for necessário. Neste momento não tenho nenhum respeito pela classe política. Desagrada-me o estado disto.
Qual é a solução? É preciso parar para pensar. Na Conversa da Treta dizemos em voz alta aquilo que as pessoas pensam. Brincamos com aquilo que sentem na pele. Falamos a mesma linguagem, mesmo a brincar e a dizer coisas disparatadas.
Já disse que a vida são uns "passerinhos a relinchar". Também tem uma perspectiva simples da vida? Tenho. É preciso estar atento às pessoas, aprender alguma coisa e aproveitar o melhor possível.
Dá importância ao quê? Às pessoas que me rodeiam, à família e aos amigos. Deixei de me chatear tanto, passei a relativizar as coisas.
Quando fez 50 anos decidiu dar uma grande festa onde estavam cerca de 600 pessoas. Porque é que decidiu fazer uma grande festa quando fez 50 anos, na qual compareceram 600 pessoas? Foi uma forma de marcar a data, de estar com as pessoas que me marcaram ao longo da vida.
Sente-se muito acarinhado? Uma coisa que a doença me trouxe foi perceber a solidariedade das pessoas, andar na rua e todos me desejarem força, serem solidários. Senti isso aos quilos. E isso toca.
Uma das coisas que gosta de fazer é viajar. Qual foi a viagem que mais o marcou? Voltar a Moçambique, vivi lá alguns anos na infância e na adolescência. E há quatro anos regressei. Foi um recarregar de emoções. Fui a muito sítios onde vivi.
Já cumpriu o sonho de lá levar os seus filhos? Tenciono cumprir esse objectivo este ano.