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Agenda de Cavaco não satisfaz

Presidente da República evita comentários sobre as declarações polémicas de Jardim e inclui no programa visitas a grandes obras públicas e "foge" das localidades com graves problemas sociais e da Madeira que diz querer conhecer.

Sara Moura, na Madeira

Cavaco Silva aterrou ontem na Madeira para uma visita oficial de seis dias e trouxe com ele uma tempestade de críticas e polémicas que preferiu ignorar e, novamente, Alberto João Jardim não está isento de responsabilidades.

A oposição não perdoa ao Presidente da República não ter agendado no programa a presença numa Sessão Solene na Assembleia Legislativa Regional da Madeira (ALRM), nem o facto de Cavaco Silva não conceder, como é quase protocolar, audiências aos diversos partidos com assento no Parlamento Regional.

Jardim ainda aqueceu mais o clima de crispação, ao dizer que a presença de Cavaco no principal órgão de soberania madeirense seria um mau serviço à Região, já que os deputados da oposição são um "bando de loucos". Iriam, afirmou o presidente do Governo Regional, dar uma péssima imagem da Madeira, que ia ter repercussões negativas.

As palavras do número um do executivo madeirense, que mencionaram os "fascistas do PND", o "padre do PCP" [Edgar Silva, ex-padre] e os deputados socialistas, provocaram uma maré de indignação regional, com as ondas de choque a chegarem ao Continente. Aqui, apenas o presidente do PSD, Luís Filipe Menezes, optou pelo silêncio, enquanto as restantes cores partidárias criticavam tanto Jardim, pelas declarações, como Cavaco, pela passividade com que ouviu o governante madeirense e pela recusa em marcar presença num acto oficial da ALRM.

Tudo isto provocou um boicote do Bloco de Esquerda e de alguns deputados socialistas e comunistas ao jantar oferecido ontem pelo presidente do Parlamento Regional, Miguel Mendonça, a Cavaco Silva. A nega dos "bloquistas" estendeu-se também às audiências que o Presidente da República vai conceder aos partidos da oposição. Os encontros não constavam do programa oficial emitido pelo Palácio de Belém, mas Cavaco acabou por ceder às pressões e vai receber quarta-feira delegações do PS, PCP, CDS e MPT, as únicas forças partidárias que enviaram pedidos formais. O Bloco colocou-se à margem pois, segundo o dirigente Roberto Almada, não "mendiga audiências como se fossem esmolas", defendendo que deveria ter sido a Casa Civil, como é do protocolo, a convidar os partidos.

As audiências, que irão servir para a oposição dar voz às preocupações com a qualidade da democracia praticada na Madeira, não vão decorrer, como também é protocolar, na Representação da República na Região, no Palácio de São Lourenço, mas sim na unidade hoteleira onde o Presidente da República vai ficar hospedado durante os seis dias da visita.

Uma visita que ainda merece mais críticas por parte das forças políticas da oposição, que a consideram demasiado oficial e afastada da realidade social madeirense. Durante a estadia na Madeira, Cavaco Silva vai percorrer os 11 concelhos do arquipélago e dar um "salto" a Porto Santo, para inaugurar um hotel, mas entre a participação em actos oficiais, presença nas comemorações dos 500 anos do Funchal, reuniões com autarcas, visitas a monumentos e encontros com empresários, pouco, ou nenhum, espaço sobra para contactar com o que a oposição diz ser os reais problemas regionais - pobreza, toxicodependência, aumento da criminalidade e desemprego - ou para visitar localidades mais problemáticas.

Assim, Cavaco Silva, que trouxe na bagagem a intenção de contribuir para o reforço do diálogo entre os governos da República e da Região, acabou por aumentar ainda mais o fosso entre os social-democratas madeirenses e a oposição.

Já Jardim, para quem o agora Presidente da República já foi classificado de "senhor Silva", fica-se a rir. Primeiro, porque evitou uma sempre constrangedora Sessão Solene, na qual teria de ouvir, perante Cavaco Silva, as críticas da oposição, segundo porque estes não são recebidos no Palácio de São Lourenço e, por último, porque conseguiu adiar a votação de uma moção de censura ao Governo, apresentada pelo PCP, para depois da visita presidencial.

Ao contrário dos seus antecessores, Jorge Sampaio e Mário Soares que baralharam o programa, optaram por visitar algumas das zonas mais problemáticas da Madeira e tiveram discursos interventivos, Cavaco Silva vai cumprir um programa que mais parece ter sido escrito por Jardim. Vai visitar grandes obras públicas e apesar de visitar todos os concelhos deixa para trás a face "menos turística" da Madeira, bairros sociais com graves problemas como os da toxicodependência, criminalidade e pobreza. Longe vão os tempos em que Jorge Sampaio furou o programa oficial e visitou um bairro degradado, em Câmara de Lobos, onde viviam 170 pessoas à espera de realojamento. Jardim acabou por prometer acelerar o processo e um ano depois Sampaio estava novamente na Madeira para inaugurar as novas habitações.

Ainda em 1998, Sampaio defendeu a alternância do poder como um garante da democracia quando discursou na protocolar Sessão Solene do parlamento regional, causando mal-estar na bancada social-democrata. Crítico foi também Mário Soares, que mesmo antes de visitar a Madeira falava do deficit democrático. Jardim não gostou e demarcou-se da viagem da comitiva presidencial que visitou as Ilhas Selvagens, enviando em sua representação um Secretário Regional.