Foi aos 17 anos, quando era nadador-salvador em Sol-Troia, que Pedro Narra começou a ver os golfinhos com outros olhos. Passava horas a fio junto ao mar e via-os passar com frequência. “A meio da época comecei a aperceber-me que tinham padrões e, no final do verão, já controlava os horários deles.” Desde então, a relação com a comunidade de roazes-corvineiros do Sado desenvolveu-se de tal forma que as suas vidas estão intrinsecamente ligadas: Narra tornou-se empresário na área da “observação de golfinhos” e também fotógrafo da natureza, graças aos mamíferos que conhece, um a um, pelo nome. Alguns deles batizados por ele.
Passaram 25 anos desde que fundou a empresa Vertigem Azul, com Maria João Fonseca, e neste quarto de século Pedro Narra, agora com 48 anos, passou por uma série de experiências fantásticas, capazes de deixar o comum mortal roído de inveja. De máquina fotográfica ao ombro, tem-se lançado pelos quatro cantos do mundo a captar imagens de animais e da natureza, muitas delas publicadas na “National Geographic”. As fotografias das tartarugas que vão desovar à ilha de Poilão, no arquipélago dos Bijagós, ganhou um prémio na categoria SOS Espécies Ameaçadas no concurso Nature Images Awards.
Os golfinhos despertaram-lhe o gosto e foram protagonistas da primeira foto que vendeu. Mas desde então muitas imagens têm sido registadas por Pedro Narra, a fauna e flora do estuário do Sado, a Costa Vicentina, as terras da Comporta, por cá. Lá fora repete viagens e viagens, seja para apanhar a desova de tartarugas dos Bijagós seja para fotografar gorilas do Uganda ou tantos outros momentos da vida selvagem em qualquer local do globo. Uma experiência única que viveu foi a fotorreportagem sobre a erupção do vulcão da ilha do Fogo.
O projeto que agora o move é bastante diferente: fotografar plantações de cannabis nos países que são produtores – desde o cultivo e colheita da planta até que seja transformada em haxixe. Pedro Narra tem consciência que é um projeto meio louco. “Não me interessa o tráfico do haxixe, interessa-me as plantações.” A ideia surgiu numa das suas idas a Marrocos, país que visita pelo menos duas vezes por ano. Um dia pensou: “Se são dos principais produtores de haxixe, porque não fotografar o processo?”
Não faltou muito para se ver na casa de uma família de agricultores nas montanhas do Rife. Mas depressa achou que seria pouco, que não teria facilidade em vender o trabalho. Pesquisou, pesquisou e descobriu o Hippie Trail que, entre 1950 e 1970, partia de cidades europeias até à Ásia, com rotas que passavam por países produtores, e terminava em Katmandu, capital do Nepal. Pedro Narra elegeu o Líbano, Paquistão, Afeganistão, Índia e Nepal. Já fotografou os campos de cannabis nestes dois últimos países – a próxima jornada deverá ser no Paquistão.
Este é o propósito que o move agora. Mas, diz, os projetos vão sempre surgindo. E desde que fotografar se tornou uma paixão – e também um modo de vida – está pronto para abraçá-los. É pessoa para fazer a mala em meia dúzia de minutos, pegar no material fotográfico e ir onde a natureza ou algo mais o chamar. Foi assim quando viu as notícias da erupção do vulcão da Ilha do Fogo, em Cabo Verde. Teve a lava a correr a um metro dos pés.
Mas antes de diversificar o que capta com a lente, houve - e há - os golfinhos do Sado. “Ainda ontem estive no mar a fotografar.” Já os conhecia dos tempos de nadador-salvador, mas despertou para a riqueza que o rio oferecia depois de um estágio na Nova Zelândia, em Rotorua, como estudante da Escola de Hotelaria e Turismo do Porto. Decidiu não voltar para terminar o curso e pediu para ficar na cadeia Sheraton, mas antes disso foi descobrir toda a ilha à boleia. Foi aí que conheceu uma empresa de observação de golfinhos. Deu-se um clique! Tinha daquilo no rio, às portas de casa. Porque não fazer o mesmo em Setúbal?
Quando chegou a Rotorua tinha duas alternativas de trabalho, ambas na Austrália. E escolheu a cidade mais pequena, Townsville, próxima da grande barreira de coral. Adquiriu então novas perspetivas sobre o turismo de natureza. Voltou a enriquecer a visão na Escócia.
Quando voltou para casa, no Natal, tinha uma certeza: não queria regressar ao curso de hotelaria. “Se era para trabalhar nessa área, ficava lá fora.” Depois do clique que se deu na Nova Zelândia, a semente começou a germinar. Em 1998, ano da Expo, a empresa de observação de golfinhos no estuário do Sado começou a funcionar. Tiveram 800 turistas, transportados pelo rio num barco semirrígido, com 6 metros. Na primeira saída, tiveram logo sucesso.
A Vertigem foi pioneira nesta atividade e, a partir daí, tem sido sempre a somar - já opera com dois catamarãs, o Esperança e o Jasmim, e um semirrígido. Com saídas diárias, não foi difícil começar a conhecer os golfinhos um a um e a dar-lhe nomes – o combinado é que quem tivesse o primeiro avistamento faria o batizado. A saírem com mais frequência do que os barcos da Reserva do Estuário, acabaram por escolher os nomes dos quase 30 animais que atualmente constituem a comunidade. Pedro garante que é fácil distingui-los, que todos têm características diferentes, seja a cauda, as barbatanas, seja manchas ou uma ou outra cicatriz. Este foi um ano espetacular para a comunidade – nasceram quatro crias no Sado.
Homem conhecedor da fauna e da flora do estuário – que tem documentada em livros – não deixa de dirigir críticas às autoridades responsáveis. “A população de golfinhos está entregue a si própria. Esta semana foi comunicado à Reserva que o Bolinha andava com fios de nylon e algas agarradas à cauda. Parte da rede, um pescador já conseguiu tirar, mas ainda andava assim.” As críticas estendem-se igualmente às autoridades marítimas, no que toca à concessão de licenças – “há mais de mil embarcações de recreio”.
De lente em punho, por esse mundo fora, Pedro Narra está sempre envolvido em novos projetos. O livro “Os Golfinhos do Sado” foi o primeiro, mas outras perspetivas se abriram. E enquanto isso, continua a reconhecê-los todos, um a um. Se eles também o conhecem, não se sabe. Cada um anda na sua vida.