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Setúbal está com o turismo a crescer 18% e a despertar o interesse de estrangeiros em comprar casa na região

O movimento de turistas dos Estados Unidos tem-se destacado na região de Setúbal, a qual, incluindo todo o ‘pólo’ Arrábida, ultrapassou 310 mil dormidas no primeiro semestre

D.R.

Os portugueses têm sido uma das chaves para o crescimento turístico de dois dígitos que a península de Setubal está a registar este ano, num movimento que também se estende a estrangeiros de nacionalidades diversas, em particular dos EUA.

“Este verão tem corrido muito bem, com as ocupações sempre cheias, acima do ano passado, e com turistas de uma grande diversidade de origens - além dos nacionais, também americanos, francófonos (de França, Bélgica, Luxemburgo ou Suiça), bastantes alemães e holandeses este ano, ou ainda australianos, canadianos, brasileiros ou espanhóis", enumera Bernardo Guedes, proprietário da Casa Palmela, o único hotel de cinco estrelas na região de Setúbal.

“Temos notado este ano um crescimento muito forte de turistas dos Estados Unidos, e também um movimento de estrangeiros em quererem mudar para cá, comprar uma casa, e instalar-se na região”, refere ainda Bernardo Guedes.

No primeiro semestre de 2023, Setúbal atingiu 172.086 dormidas, num crescimento de 18,3% face ao mesmo período do ano passado, segundo avança a Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa (ERT-RL), com base em dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE). Anualmente, e de acordo com dados reportados a 2022, Setúbal movimenta cerca de 368,5 mil dormidas.

Setúbal tem uma das “mais belas baías do mundo” e o estuário do Sado é uma das suas riquezas - nesta reserva natural com 23 mil hectares registam-se mais de 200 espécies de aves
Setúbal Bay

Considerando todo o pólo Arrábida, que além de Setúbal também inclui os municípios de Sesimbra e Palmela, as dormidas turísticas cifraram-se nos primeiros seis meses em 310.344, num crescimento de 17,2%. No ano passado, o volume de dormidas no pólo Arrabida totalizou 682,3 mil.

Setúbal integra um conjunto de sub-regiões do Turismo de Lisboa (num total de 17 câmaras, do qual também fazem parte Cascais ou Alchochete) cujo Plano Estratégico até 2024 estabelece a meta de dispersar o volume de turistas do centro da capital para as áreas envolventes, e disponibilizando fundos para este fim.

Oferta de camas seis vezes inferior à zona de Troia e Comporta

O sucesso turístico desta sub-região de Lisboa, de onde se pode chegar a Troia de ferry, permanece de certa forma silencioso, e longe do potencial que pode atingir, face à “enorme oferta de experiências que existe dispersa, e que não tem paralelo em outras regiões do país”, de acordo com os operadores locais.

“Setúbal tem a sorte de se manter muito autêntica, e consegue conviver de forma equilibrada com os residentes, os turistas ou os visitantes que vêm só passar o dia e comer nos restaurantes da cidade”, frisa o proprietário da Casa Palmela.

O Mercado do Livramento já se tornou numa das principais atrações para os turistas em Setúbal
Casa Palmela/Setúbal Bay

A oferta turísticas em Setúbal totaliza cerca de 2,4 mil camas (incluindo alojamento local). “A região de Troia até à Comporta tem mais de 12 mil camas turísticas, são cerca de seis vezes mais comparando com Setúbal”, nota Bernardo Guedes.

“Não existe aqui uma população turística enorme, nem há previsões de grande crescimento em oferta. Se me perguntassem se gostava que Setúbal tivesse 3 mil camas, a resposta é sim. Mas se fossem 10 mil camas, já seria não", considera.

“O grande medo com o turismo é a perda de residentes e de autenticidade, como aconteceu em Lisboa em alguns bairros, deixámos de ver as velhinhas com lenço na cabeça à janela”, refere Bernardo Guedes. “O turismo é muito bom para o PIB, mas muito mau para o dia-a-dia dos locais, e daí a necessidade de se ter de crescer devagarinho, e de forma equilibrada”.

A autenticidade e as tradições locais mantêm-se traços marcantes em Setúbal, e que atraem cada vez mais estrangeiros a procurar casa na região
Setúbal Bay

Setúbal parece estar muito longe do cenário de massificação ou de perda de autenticidade, o que representa de momento o seu maior trunfo a cativar turistas nacionais ou estrangeiros, até interessados em instalar-se na região comprando uma casa.

“Em conversa com operadores, destacam-me muito que os turistas gostam de chegar ao Portinho da Arrábida e verem os miúdos a saltar do pontão, é este tipo de coisas que é importante preservar”, refere o empresário turístico, também vogal da administração da associação público-privada Setúbal Bay.

Serra da Arrábida e estuário do Sado candidatos a património da UNESCO

Outro dos trunfos de Setúbal é que o turismo se pode dispersar por um vasto território, incluíndo áreas naturais e protegidas, como o estuário do Sado ou a Serra da Arrábida.

O parque natural da Serra da Arrábida permite múltiplas atividades, como passeios a cavalo, de bicicleta ou a pé
Casa Palmela

“Setúbal e a região da Arrábida têm uma oferta, em termos de experiências, que é muito maior à de outras regiões turísticas de Portugal”, e assente em operadores locais de pequena dimensão, destaca ainda Bernardo Guedes - enfatizando que a oferta gastronómica dos restaurantes (conhecidos pelo choco frito), a produção de queijos ou de vinhos, passeios de barco para ver golfinhos e grutas, “as quintas de ostras do estuário do Sado”, visitas ao Convento de Cristo, ou ainda passeios de bicicleta ou a cavalo na Serra da Arrábida, entre muitos outros.

“As pessoas podem ir à primeira fábrica de queijo de Azeitão, e fazerem o seu próprio queijo, é uma experiência única. Ou também podem ir pintar um azulejo numa fábrica artesanal. Temos um conjunto de oferta muito completa, conseguimos agradar às crianças, aos adolescentes e aos adultos”, realça o empresário, que criou uma empresa de experiências com um roteiro da Arrábida, designada Once Upon a Day, agregando a oferta dispersa de cerca de 60 operadores locais.

“Todos estes operadores são pequenos, à exceção de três ou quatro empresas de vinho de maior dimensão, e é um quebra-cabeças juntá-los em horários e locais precisos para organizar as experiências. São empresas familiares, incluem desde barcos, bicicletas, quintas para provas de queijos ou sítios para fazer pão, e nesta junção de esforços conseguimos proporcionar um dia inteiro com atividades diversas", exemplifica.

Um património ex-libris em Setúbal é o Convento de Jesus, considerado um dos primeiros exemplos do estilo manuelino, com os seus arcos e colunas feitos em brecha da Arrábida
CMS

Criar uma marca para promover a Arrábida, que permanece em grande parte desconhecida para os próprios portugueses, é um anseio de operadores locais como Bernardo Guedes. Mas formalmente não é fácil levar este objetivo à prática, uma vez que esta vasta região natural abrange três municípios: além de Setúbal, também Sesimbra e Palmela.

“Devia haver uma pool destes três munícípios para uma promoção mais forte da Serra da Arrábida, e da parte do turismo com muito cuidado, porque é uma região delicada”, sustenta o dono da Casa Palmela.

Setúbal já se promove como tendo uma das “mais belas baías do mundo”, fazendo parte desde 2002 do clube ‘The Most Beautiful Bays in the World’, associação privada internacional que atribuiu esta designação exclusiva a cerca de 40 baías em todo o mundo.

Inserida no parque natural da Serra da Arrábida, a praia de Galapinhos foi eleita como a ‘Melhor Praia Europeia’ em 2017
Jose Luis Costa

A nível de biodiversidade, foi avançada uma candidatura para a Serra da Arrábida e o estuário do Sado serem classificados como património da UNESCO - e segundo o responsável da Setubal Bay, é uma questão de tempo e de aguardar pelo respetivo certificado.

“Temos aqui este parque natural fabuloso, e não o estamos a comunicar corretamente. A Serra da Arrábida devia estar mais protegida e muito mais bem comunicada”, frisa Bernardo Guedes, defendendo que devia haver nos parques naturais um sistema de entradas pagas, e com regras, à semelhança dos Estados Unidos.

“Não quero cortar o acesso aos setubalenses em ir à serra da Arrábida, mas as pessoas têm de aprender a valorizar o parque natural, não é abrir o acesso de forma generalizada para virem cá deixar papéis e lixo no chão”, sustenta. “Esta é uma infraestrutura ambiental e turística, é para cobrar, e com receitas que permitam manter o parque, não podemos oferecer ‘de borla’ o que temos de melhor”.