Por vezes o grande ecrã enche-se para uma sala com três ou quatro pessoas. Que sejam oito, dez, 20, este cineteatro é enorme, dificilmente encherá. Tem plateia e balcão, cadeiras confortáveis, e até pipocas, vendidas em cones de papel. Entra-se no cinema de São Bartolomeu de Messines, vila do concelho de Silves e oito mil habitantes, por uma porta lateral. Pode parecer que está fechado, apesar das vitrines terem cartazes com cores garridas e títulos atuais. O portão de ferro, uma boca na grande fachada, há muito que deixou de ter serventia.
O balcão do cineteatro, com 96 lugares, só abre para as sessões infantis. Acedemos ao piso superior enquanto decorre a última sessão da Barbie na sala, depois de 15 dias em cartaz. Estão três pessoas lá em baixo, na plateia. Um Ken gigante surge no ecrã, com bastante algazarra, enquanto António Oliveira nos convida a recostar. Havemos de descobrir depois, já sem ser em sussurro, que estas são algumas das cadeiras do extinto Cinema Londres, na Av. de Roma, em Lisboa. Mas já não descem ao sentar, porque os miúdos não têm peso suficiente (e nas cadeiras da plateia, com costas altas, não veem o ecrã).
Não compensa ter uma sala de 262 lugares a funcionar com três pessoas. Cada bilhete custa 5 euros e não são os canudos de pipocas comprados no intervalo que equilibram. “Compensar claro que não compensa, mas temos de estimar os clientes mesmo que sejam três ou quatro para depois poderem voltar a uma sessão em que tenhamos 30, 40 ou 50”, diz António Oliveira. Até porque muitas vezes o clientes vêm de longe, das aldeias mais distantes do concelho, como é o caso hoje.
António tem 71 anos, e explora o cinema desde 1990 (com intervalos). Quando começou, a sala estava fechada há quatro ou cinco anos. Na altura aventurou-se no negócio com o padrinho de casamento, António Feliciano, o projecionista ambulante de Vila Nova de Milfontes (falecido no final do ano passado). Depois de uma interrupção, retomou em 2010. Atualmente António “toma conta” do espaço e gere o bar, numa parceria com a Algarcine, que tem cinemas em Lagos, Portimão e Sines, e é responsável pela programação.
O edifício, dos anos 1970, é de um privado. Os cineteatros da região ainda a funcionar serão todos geridos por autarquias. Em Messines, continuam a fazer-se estreias nacionais. Quando Barbie sair de cartaz, entram as Tartarugas Ninja e o Gran Turismo. Como a sala é só uma, ficaram as matinés reservadas para Leonardo e companhia, e a soirée para o filme baseado no jogo de computador. António não faz prognósticos, mas admite que os títulos cativem audiência - talvez não tanta quanto a Velocidade Furiosa.
Os estrangeiros são muitos dos que procuram o cinema de Messines. “Chegam aqui, gostam da sala e dizem que é a sala onde mais gostam de ver cinema no Algarve”. Ele, claro, fica orgulhoso. Contra todas as probabilidades, vai-se mantendo ali. “As pessoas vão ao shopping, acabam por entrar nos cinemas e ver o filme, mesmo que seja mais caro e tenha menos condições”. A luta é desigual, mas aqui há umas semanas, quando a Barbie chegou ao grande ecrã, uma família que estava numa enorme fila para a bilheteira do cinema em Loulé ligou para saber se ainda havia lugar, meteu-se no carro e chegou mesmo a tempo da sessão.
Natural de São Bartolomeu de Messines, António Oliveira descobriu o cinema em Alcácer do Sal, onde viveu parte da sua juventude. “Na primeira classe nem sabia que existia cinema. Um padre ia à escola com uns projetores antigos passar filmes pequenos para nós vermos. Uma vez aquilo avariou e levaram-nos a uma sessão no cineteatro. Foi a primeira vez que entrei num cinema. A partir daí fiquei a adorar”. Ainda se lembra da fita: O Fantasma do Amor.
Hoje já não há bobines na sala de projeção do vetusto cineteatro. Há grandes servidores, aparelhagem de som e computadores onde António recebe os filmes que vão estrear. Pode controlar a projeção a partir daqui, mas prefere fazê-lo a partir da bilheteira, onde está mais fresco.
“Já fui mais cinéfilo do que sou hoje, porque o cinema tem-me dado muitos pontapés”, diz. Atrás de si, um exército de DVD, restos do clube de vídeo que também funcionou ali. O espaço é decorado com os grandes cartazes de filmes que já sairam de cena. Mantém a porta aberta e um sorriso para quem chega. Até quando, não sabe. “Vamos cativando as pessoas que apreciam o sossego e o bom comportamento na sala”.