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Expresso 50 anos

Rui Vieira de Castro, reitor da UMinho: "O ChatGPT veio pôr isto tudo de pantanas"

A assinalar os 50 anos, a universidade do Minho enfrenta o desafio do crescimento, da internacionalização e de captar novos públicos. Lançou 112 pós-graduações e testa a futura oferta educativa, no ano em que também abriu a licenciatura em Engenharia Aerospacial, que se tornou na média mais alta de entrada. Em entrevista, o reitor aponta os desafios e as virtudes da instituição que lidera. A inteligência artificial é um deles

RUI DUARTE SILVA

Rui Vieira de Castro recebe o Expresso no seu gabinete, no antigo Paço Episcopal onde está instalada a reitoria da Universidade do Minho, em Braga. O edifício do século XIV conserva nos azulejos das escadarias a representação das figuras da época ostentando na cabeça o chapéu de três bicos, o tricórnio, que seria adotado no traje académico desta universidade. Reitor desde 2017, doutorado em Educação, fez grande parte do seu percurso na academia que agora dirige, com amplo trabalho de investigação no campo das literacias, da educação e da linguagem – áreas com enormes e contemporâneos desafios, fruto da digitalização. As comemorações das bodas de ouro da Universidade do Minho são um momento de balanço e de projeção dos futuros na academia sediada na terceira maior cidade do país, com mais de 21 mil alunos, doze unidades de ensino e investigação, dois campi em Guimarães, e uma ligação ao território que procura honrar e desenvolver.

A Universidade do Minho começou já a assinalar o seu cinquentenário que se cumpre em fevereiro de 2024. O que mudou no país com a Universidade do Minho?

O país mudou radicalmente ao longo destes 50 anos. As regiões mudaram, as cidades mudaram. Certamente que não mudaram apenas por efeito da ação das universidades, mas mudaram muito por efeito da ação das universidades. A Universidade do Minho surge num contexto muito preciso, de reforma do ensino superior. Na altura, tínhamos quatro universidades públicas em Portugal: Universidade do Porto, Universidade de Coimbra, a Técnica e a Universidade de Lisboa. A criação da Universidade do Minho, juntamente com outras instituições, tem claramente o objetivo de alterar o quadro das instituições de ensino superior e de atribuir às novas instituições um mandato diverso do das outras, requerendo-lhes uma intervenção efetiva e ativa na transformação do tecido social, do tecido económico da região onde estão, e do país. Desde logo são criados polos de atração de pessoas, de pessoas jovens, são criadas condições para o acesso ao ensino superior de camadas populacionais que até então não tinham possibilidade de a ele aceder. Há uma transformação significativa na qualificação. A Universidade do Minho graduou até hoje cerca de 80 mil pessoas, estamos neste momento naquilo que é um número médio na ordem dos 5 mil graduados por ano como licenciados, como mestres e como doutores. Alterando o perfil da população, alterou também o perfil empresarial, económico. Nós temos o entendimento de que esta é uma universidade que está numa região, mas é uma universidade que não quer ser regional. Isto para nós é claro, até porque isso colocaria em causa o próprio projeto da universidade. A experiência de interação entre a Universidade do Minho e a Bosch é, do meu ponto de vista, exemplar.

De que modo?

A Bosch é uma companhia multinacional de grande dimensão, mas durante muito tempo era fundamentalmente uma empresa cuja atividade aparecia sob o rótulo do made in Portugal. O desafio que se colocou, quer à Bosch e quer à universidade, foi passar deste paradigma do made in para o outro que é o invented in. E foi isso que se conseguiu de uma forma continuada ao longo já de mais de 10 anos, em que tivemos uma articulação muito forte entre a atividade da empresa e a atividade da universidade, materializada em projetos de inovação. Conseguimos resultados extraordinários. Ao longo destes anos, tivemos mais de mil pessoas envolvidas nesta parceria, engenheiros da Bosch e engenheiros da universidade que se articularam em função de projetos com alguma natureza estratégica. Daqui resultou um número muito vasto de patentes traduzidas em produtos que estão já a circular e integrados nos veículos. Isto significou um crescimento extraordinário do volume de vendas da Bosch que neste momento ultrapassa os €1200 milhões, sendo que há dez anos eram €400 milhões. Este salto deve-se sobretudo a isto, a produtos que foi possível gerar e lançar no mercado. Naturalmente, arrastou outra coisa muitíssimo importante para nós e para o país, que é o emprego qualificado e emprego científico também com impacto efetivo no tecido económico.

Recuando ainda mais no tempo, que impacto teve o lançamento do curso de Medicina há 23 anos para a Universidade do Minho?

Esta universidade entra em funcionamento em 1974 e vai beneficiar do facto de aqueles serem anos muito complexos. São os anos também da Independência das antigas colónias. Há duas universidades que estavam a ser instaladas, a universidade de Luanda e a Universidade de Lourenço Marques, para a qual tinham sido mobilizadas pessoas de muita capacidade. Muitas delas regressam a Portugal, e uma parte significativa vem aqui para a Universidade do Minho. Dos oito reitores da Universidade do Minho, seis vieram dessas universidades e traziam consigo uma ideia nova de desenhar um projeto distinto para a universidade que tinha de encontrar novos modelos de formação, de procurar articulações fora do país e a articulação entre ensino e investigação. E esta foi a aposta que foi feita. Quando o curso de Medicina é aprovado, tem um perfil de formação completamente distinto daquilo que prevalecia nas escolas médicas portuguesas: muito menos centrado naquilo que são as áreas de saber tradicionais da Medicina, para passar a agregar esses saberes em torno da área do projeto, que é a identificação de áreas críticas num doente. Foi este conjunto de apostas que tornou o curso no sucesso que é, um curso de referência. Aí beneficiámos muito de protocolos que estabelecemos com universidades norte-americanas. É um projeto marcante e é claramente uma das nossas joias, deixa-nos muito orgulhosos.