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Expresso 50 anos

"Usa e serás mestre” ou como viver na aldeia e manter vivas as tradições transmontanas

Nas aldeias transmontanas, há quem viva resgatando saberes antigos para usos atuais. Sem saudosismo, aprendendo com os antigos, como guardiões do saber da terra e dos costumes. O futuro pode passar por aqui.

RUI DUARTE SILVA

Marina Almeida e Rui Duarte Silva

Pedro não quer saber da cidade. Em 2015 deixou Lisboa e instalou-se na aldeia de Guadramil. Não tinha qualquer ligação a este lugar, a não ser umas férias que passou no Parque Natural do Montesinho, onde nos encontramos. Começou a fazer objetos em madeira, recordando os gestos do pai, carpinteiro. “Eu quando era garoto via-o, mas nunca me interessei. Quando vim para aqui, comecei a fazer”. Aqui é o distrito de Bragança, em Trás-os-Montes, e o agora é Rio de Onor, a aldeia de fronteira meio portuguesa meio espanhola, onde vende o seu artesanato, a poucos quilómetros de Guadramil. Tem uma banca com fechaduras de madeira, que reproduzem as antigas (e algumas ainda se veem na aldeia, chamam-se garabelhos), e uns bancos baixos com três pés, as tripeças. “Faço questão de fazer as coisas que estão a desaparecer. Uso o artesanato para ganhar a vida e fazer coisas que ninguém faz”, diz.

Tem 56 anos e gosta de ler e de aprender sobre as tradições. Na sua vida passada, Pedro Fernandes era manobrador de máquinas industriais. Agora coloca modos de fazer antigos em objetos novos. As tripeças eram feitas com a parte central da roda dos carros de bois, uma rodela grossa retirada em duas meias-luas porque não havia serra para mais. Pedro continua a fazê-los, aumentando o tamanho das pernas dos bancos, que os clientes modernos gostam mais. Criou ainda versões com as rodelas inteiras, fazendo os assentos circulares. Faz e vende, também, algumas varas da justiça, o pau de madeira com que a população da aldeia comunitária marcava, com sulcos, as multas e as faltas – e que os turistas vão usando como cajado. De cada objeto que vende (ou que não vende), conta a história de uma aldeia comunitária que deixou de o ser, depois de as vias de comunicação lhe terminarem o isolamento.

Pedro vai fazendo as suas peças numa bancada protegido do sol, mesmo ao lado da Casa do Touro, onde existia o único animal de cobrição de Rio de Onor, estrutura renovada e transformada num espaço de memória (e que está fechado há meses). Ali passa a maior parte do dia, sabendo que é à hora de almoço que os melhores negócios se fazem. Vive tranquilo, sem televisão, internet e com telemóvel “de teclas”. Quando tem de ir à cidade, a Bragança, vai bem cedo para se escapar quando os outros começam a mexer.